A despeito da
desconstrução promovida por Nietzsche no século XIX, é ainda visível no mundo
contemporâneo uma grande afeição pelas chamadas filosofias teleológicas. Tal
pensamento atravessou a história: desde Aristóteles, passando por autores como
Comte e, finalmente, Karl Marx. A ideia de uma “causa final” ou “destino
inexorável” dos seres humanos ainda é, para muitos, perfeitamente plausível. O
caminho único para onde nos direcionamos.
A abordagem que promovo deve ser cuidadosa: ao traçar uma
crítica aos pensamentos teleológicos, não pretendo, de forma alguma, desmerecer
a obra dos autores que professam essa ideia. Ora, o fato de um autor possuir
concepções teleológicas não exclui, ao meu ver, a relevância de todas as suas abordagens.
Pelo contrário, esse aspecto deve ser analisado separada e cuidadosamente em um
sistema filosófico, justamente para que não existam esses preconceitos que, em
verdade, não se justificam. No caso do próprio Aristóteles, não seria
apropriado, por exemplo, desmerecer seu pensamento epistemológico em razão de
existir, no pensamento desse grego, um enfoque teleológico. Esse é um cuidado
que os críticos da teleologia devem ter.
Porém, não é sobre a teleologia em Aristóteles que irei
tratar (apesar de existirem muitas correntes que professam essas ideias),
tampouco sobre essa ideia no pensamento comteano, já amplamente rejeitado.
Discorro aqui sobre a ideia de “causa final” ou “destino inexorável” na
concepção de outro autor: Karl Marx. Perguntar-se-á por que, dentre tantos
outros defensores dessas ideias, Marx é o merecedor de maiores atenções nessa
crítica, e a resposta é simples: o impacto de seu pensamento no mundo
contemporâneo, que mobiliza grupos e classes, bem como invade os espaços
sociais e as mentes dos jovens.
Não adentrarei muito profundamente nas questões
políticas, econômicas e sociais na concepção marxista, limitando meu enfoque à
questão da teleologia, traçando reflexões acerca desses demais aspectos somente
para satisfazer uma argumentação relacionada a essa última ideia.
E não é necessário refletir muito para encontrar falhas
no pensamento teleológico (marxista, neste caso): a questão da
circunstancialidade nos traz uma primeira resposta. Nas acepções contemporâneas,
o termo “marxismo” é plurívoco, e estende-se desde as ideologias stalinistas,
até àquilo que chamamos hoje de social democracia. Este último exemplo é
emblemático: se no fim do XIX a única saída para o proletarizado era a tomada
dos meios produtivos e a estatização destes em prol da coletividade, com o
advento da social democracia, ou seja, a busca pela conciliação dos direitos
civis e políticos com os sociais, culturais e econômicos, um outro caminho,
aparentemente muito mais harmônico, passou não só a existir, mas, também, a ser
trilhado.
Eis o primeiro desvio do “final inexorável” na teleologia
marxista. Dizer-se-á que, na prática, a social democracia está sempre vinculada
aos ideais de esquerda, ou mesmo que chega a ser um caminho ao socialismo, o
que estaria de acordo com as concepções do filósofo alemão. É fato que a social
democracia professa, ao menos retoricamente, diversos discursos em favor das
classes proletárias. Contudo, uma coisa é indiscutível: predominantemente, em prática,
as ideias surgidas junto à constituição mexicana de 1917 e a República de Weimar,
ao menos em suas acepções contemporâneas, buscam uma conciliação de interesses
socioeconômicos, e não a proeminência de uma classe em detrimento de outra.
Surge a indagação acerca de qual a verdadeira força do
marxismo face ao advento da social democracia. Tendo em vista os movimentos
políticos e sociais que se manifestam na sociedade contemporânea, esta última parece
gozar de mais prestígio e adesão. É simples constatar isso: mesmo entre os
grupos de esquerda, dificilmente se encontrarão posições favoráveis a uma
ditadura do proletariado em países como França, Inglaterra, EUA, Brasil, Japão,
Alemanha e tantos outros. Mesmo a questão da estatização de empresas, ainda que
lenta e gradual, parece, nesses países, ser tema estagnado, parecendo inclusive
serem mais propícias as privatizações.
Uso a questão da social democracia, dentre tantos outros
exemplos que poderiam ser dados, para provar que a circunstancialidade, nesse
caso, vinculada a processos sociais e políticos que remontam à Europa e América
do início do XX, desmonta a acepção teleológica de Marx: a ideologia comunista,
se o mundo continuar seguindo tal rumo (o que, como demonstrado, parece
provável), ao menos em sua forma pura, não será capaz de firmar as ditaduras do
proletariado, a estatização de empresas e o fim do capitalismo, ou seja, essa
ideologia não irá se firmar. O mundo parece seguir rumos muito mais vinculados
à liberdade, seja moral, sexual, política, civil ou econômica.
Higor Caike - 1º ano, noturno
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