2014. Rio de Janeiro. Zona Norte. Morro da
Congonha.
"Domingo
de manhã, saí cedo para comprar pão para minha família. Era um final de semana
como outro qualquer. Comumente, a PMRJ já estava subindo o morro, para mais uma
operação.
Pedi
10 pãezinhos para o Seu Zé, que separou prontamente, perguntou-me:
-
Cacau, como estão as crianças, os sobrinhos e o Alexandre?
-
Estão todos bem – respondi com simpatia.
Saí
prontamente para casa. No caminho ouvi um estrondo, e senti uma leve falta de
ar. Olhei no meu peito e vi sangue. Naquele momento senti um misto de terror, agonia
e preocupação. Pensei, o que aconteceria comigo e com a minha família? Seria mais
um número nas estatísticas das vítimas de bala perdida no confronto de
policiais com traficantes? Caí ali mesmo, ao lado de um matagal. Desfaleci. Escutei
vozes, me esforcei para enxergar com a visão turva três policiais vindo em minha direção. Senti
um alívio, pois eles iriam me proteger e zelar pela minha vida.
Carregaram-me
até a viatura e por um momento indaguei o motivo de estar no camburão. Saíram em disparada, em
altíssima velocidade, passavam em lombadas e buracos como se não estivessem
ali. Contorcia-me de dor. De repente a porta do porta-malas abriu e fiquei estirada
na via sendo arrastada pela viatura. Essa tortura durou cerca de 300 metros,
quando os policiais perceberam, me colocaram de volta no porta-malas. Cheguei
ao hospital sem vida. Meu nome: Cláudia Silva Ferreira.
Agora,
olho e reflito o que aconteceu comigo. Percebi que a minha vida não tinha valor,
era mais uma mulher negra, trabalhadora, mãe, esposa e moradora de comunidade,
vítima do preconceito e da violência no país. Os princípios reguladores da
sociedade são repugnantes. Lembro-me do Negro
Drama: cabelo crespo, pele escura,
ferida, a chaga, à procura da cura. Senti o drama."
Os pilares da racionalidade na sociedade
me ajuda a entender esses aspectos preconceituosos. Não importam as causas, mas
sim aquilo que é observável, através de relações e generalizações rasas, de
estatísticas e correlações. Não se questionam esses resultados, o porquê esses
atores sociais são formados, as consequências da desigualdade social. A lei estática
na perspectiva Comtiana, traz um alicerce baseado na religião, família,
hierarquia, Estado, leis e moral para dogmas enraizados recorrentes em qualquer
corpo social. A força vital desse corpo é a meritocracia sendo difundida de
acordo com seu agir social, dependente da sua realidade. O Estado dá uma
educação tecnicista para os jovens egressos do Ensino Médio já começarem a
trabalhar, entretanto as escolas particulares divulgam que as melhores cabeças
vão para as melhores universidades. Esses são os elementos que me indago com
perplexidade sobre as propriedades fundamentais da proposta positivista fundada
século XIX ainda seja utilizada em pleno século XXI.
Sendo assim as mazelas sociais são
vistas com espanto, porém são toleradas em todas as esferas. A história da
Cláudia foi um exemplo dentre muitos outros. Tudo que não se encaixa para a
normalidade, o equilíbrio e coesão do sistema são anormalidades que devem ser
exterminadas. Desse modo, ver o pobre preso ou morto já é cultural.
Brunna Aguiar da
Silva 1º ano Direito diurno
Nenhum comentário:
Postar um comentário