Tive um sonho estranho. Um emaranhado de
imagens distorcidas manifestava-se perante meus olhos fechados. Não sabia o que
sonhava, não tinha ideia do que via, mas sentia medo por sentir que caia em
meio a ideias que não eram minhas. Acordei assustado, embriagado por um
entorpecente que não tinha usado.
O sofá machucava minhas costas e a
televisão ligada emitia um barulho ensurdecedor. Engraçado como mesmo depois de
desligada, continuava a incomodar. Me senti estranho, como se algo estivesse
fora do lugar. Meus olhos percorriam a sala em busca do objeto
“disfuncionalizado” sem sucesso, até que percebi o erro. Não enxergava.
Via, no entanto. Era capaz de ver os
objetos dispostos na sala, a mobília simetricamente organizada, a garrafa de
cerveja vazia ao lado dos restos do aperitivo que eu ingeria anteriormente
assistindo ao jogo. Via os livros na estante, organizados em ordem alfabética e
meu gato adormecido, suspirando regularmente enquanto abraçava o pé gelado da
mesa de centro. Via tudo, mas não enxergava nada. Era como se eu pudesse ver
apenas aquilo que estava ali, visível, concreto e real. Como se tudo fizesse
parte de uma realidade superficial da qual eu não era capaz de extrair uma
única verdade profunda, onde nada tinha um significado e tudo era regido por
leis imutáveis.
Sempre soube da existência de leis
positivadas regendo a ordem universal, mas me considerava um anormal. Julgava
ser diferente e alheio àquele sistema. Me negava a ser uma mera marionete moldada
e funcionalizada por um desconhecido. Mas agora não conseguia mais enxergar
aquele mundo transcendental que tanto amava, e tudo era demasiadamente normal.
Me levantei com dificuldade, jurei a mim
mesmo e às minhas costas que não mais dormiria naquele maldito sofá. Comecei a
andar pelos cômodos e a correr pelos corredores. Era estranho. Quanto mais
rápido eu me movia mais estático o mundo estava. Como se não importasse o que
eu fizesse, nada jamais fosse mudar. Estava tudo muito parado, como se a Terra
não girasse e o ponteiro do relógio estivesse sempre travado no mesmo lugar. O
mundo estava estático e imutável, e eu estava cego.
Olhei para meus livros e fui em direção a
eles. Uma dor indescritível me abraçou quando percebi que só conseguia ver suas
capas. Um livro fora do lugar me chamou a atenção. Era mais normal do que os
outros, continha um nome esquisito e versava alguma baboseira sobre uma
filosofia positiva. Abri-o e me surpreendi ao perceber que não era capaz de
ler. Via as letras formando palavras e as palavras formando frases, mas era
incapaz de extrair qualquer significado. O mundo era ordenadamente perfeito e
nada mais tinha a se aprender, a vida era demasiadamente simples e qualquer um
poderia entender. Nada transcendia a realidade e tudo não passava de mera
normalidade.
Decidi que precisava culpar alguém. Algo
não estava certo, eu estava quebrado, estragado... e tinham feito isso comigo.
Decidi culpar o livro. Aquele livro ordinariamente normal limitara minha visão
e simplificara tudo. De alguma forma, não era como se eu tivesse apenas o lido
na semana anterior e debatido minhas concepções com as do autor, mas como se eu
tivesse incorporado um posicionamento que não era meu.
Não sabia o que fazer e cheguei à que me
pareceu a única solução possível. Ateei fogo naquele ordinário. As labaredas
dançavam, cada vez mais belas e maiores. O estalar do fogo reproduzia a mais
bela sinfonia. Absorto pelas chamas, eu estava imóvel. Hipnotizado pela única
coisa naquela realidade que parecia se mover com sentido, que parecia ter vida.
Um gato miou estridentemente e uma garrafa
se estilhaçou após uma pancada surda. A televisão parara de fazer barulho e
apenas refletia as graciosas chamas. O maldito sofá já não mais machucaria
costa alguma. O teto desabava e alguém lá fora gritava por ajuda. Mas nada
importava. As chamas estavam vivas, não estavam estáticas e definitivamente não
eram ordinariamente normais. Entorpecido por elas, cometi mais um único erro
proveniente da visão superficial da realidade. Me esqueci de deixar a casa.
E por fim, aquele mundo tal qual eu
conhecera de fato acabara...
Abner Santana de Oliveira- 1º Ano. Direito. Noturno.
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