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sábado, 12 de agosto de 2017

Martírio Tardio


Um pequeno quarto soturno abrigava uma aranha, uma cama e um homem de espírito limitado.
– Argh! Quem diria... acho que alucino.
A aranha deu início ao tecer de sua teia. Logo, em cada fio daqueles, o sujeito via um momento de sua vida se encaixar diante de seus olhos.
– Foi um longo caminho até aqui. Necessário, claro. – Olhava fixamente o aracnídeo, dialogando – Não vim ao mundo como você... sabendo como tecer minha teia. Vim sem nada, incapaz até mesmo de adquirir qualquer conhecimento real. Fui preparado pela fé: Papai Noel ilustrou-me a importância da educação e de ouvir meus pais, a Fada do Dente demonstrou-me que a fortuna é recompensa a ser conquistada com paciência, Os Super-heróis prepararam-me para ter coragem de enfrentar as anomalias da vida em defesa dos “justos”, dos “bons”.... Mas é claro que não foi assim durante toda a minha infância. Aos poucos, eu entendia a existência de nossas preciosas instituições. Quando atingi o estado viril de minha inteligência, eu podia identificar as leis sociais e sua explicação, a função da ordem para nosso progresso. Arrgh!! Maldita dor no peito! – Rosnou, suando frio – Não, não se preocupe, eu sou médico. Dos bons! O papel dos líderes é muito exaltado, porém o meu é tão importante quanto o deles, sabe? Eu mantenho em bom estado as nossas forças produtivas... Fluoxetina, Rivotril... existem vários tipos de patologias, a ciência também é o remédio para essa que chamam de angústia, bem como as demais emoções profundas e incômodas. Nem todos amadurecem seu espírito de maneira tão rápida, pensam em desistir, são uns frouxos! – Sentiu uma falta de ar que o fez interromper o tom abruptamente, fechou os olhos por um tempo até melhorar – Sua teia tem um alcance curto... olhe, um mosquito passando bem ali! – Já não sabia se falava ou pensava – a minha é diferente... bem... a minha é normal. Só não há, nela, espaço para vergonhas como aquele meu filho “viado”! Expulsei mesmo. “Diversidade”, ele argumentou, besteira! Devemos ser, naturalmente, iguais, apenas com funções diferentes de acordo com nossa posição social. Equilíbrio! Por isso existem regras, para prosseguirmos em alta velocidade. – Vacilou – Certo? O que importa se seus amigos se afastam aos poucos?! “Prepotente!”, me diziam... É, até que sinto falta deles. Era o jeito... sou muito ocupado com minhas funções, sabe? Dia, noite, final de semana... é fácil falar que somos escravos do tempo ou qualquer besteira, quero ver é não passar fome. Fome... como será que está meu filho?! É tanta velocidade, alta velocidade na mesma direção... as vezes me esqueço do que fica para trás. Seria a pluralidade de direções tão impressionante, mesmo? O quê?! Acha que estou perdendo algo, "moscando"?! – Fechou os olhos – Alucino ou alucinava?! Talvez eu devesse dar uma chance, ver o mundo por outras perspectivas... nem que seja para reafirmar e comprovar meu ponto. Não estudo nenhuma filosofia, sigo a ideologia que está diluída na sociedade... invisível porque mesclada ao senso comum. É a mais eficiente... ou mais perigosa.... Acho que vou... experimentar... o mundo... a novidade...

Um pequeno quarto soturno abrigava uma aranha, uma cama e um cadáver.

Diogenes Spineli Soares Filho, 1º Ano, Direito Noturno.


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