Em
sua obra, Boaventura de Sousa Santos faz reflexão sobre a possibilidade – ou não
– do Direito agir como instrumento emancipatório, principalmente em um panorama
social conservador, como, no momento, pode-se dizer ser a sociedade Brasileira.
Destarte, aponta que “nos termos da distinção entre emancipação social legal
e ilegal – desde então, uma categoria política e jurídica essencial –, só seriam
permitidos os objectivos e práticas emancipatórios sancionados pelo Estado e,
por conseguinte, conformes aos interesses dos grupos sociais que lhes
estivessem, por assim dizer, por trás.” (SANTOS, 2003, p.4). Com tal frase, o
sociólogo consegue destacar a maior dificuldade no tangente ao uso
emancipatório do Direito: ao ser diretamente dependente dos grupos sociais que
detém o poder do Estado, é complexo imaginar que estes grupos tenham interesses
congruentes àqueles que necessitam de tal uso. Não obstante, o autor chega à
conclusão de que o Direito pode, mesmo em tais condições, ser emancipatório, o
que relaciona-se diretamente com o caso julgado a ser discutido, principalmente
dado que, no julgamento realizado, utilizou-se, frequentemente, das ideias de
Boaventura para justificar concepções.
Nesta égide, o caso supracitado
ocorreu por conta da introdução, na Universidade de Brasília, do sistema de
cotas raciais, em 2004. O partido Democratas (DEM) abriu processo para que este
sistema fosse analisado, pois, segundo o requerimento, seria inconstitucional,
ferindo o princípio da isonomia regido pela Constituição Federal de 1988,
sendo, portanto, contra os fundamentos axiológicos da nação. Foi, então,
julgado improcedente pelos Ministros do STF, sendo possível encontrar
referências diretas e indiretas à Boaventura de Sousa Santos em tal decisão.
Por exemplo, no Acórdão do Tribunal, afirma-se que a adoção de políticas que
fazer superar o princípio da isonomia num aspecto puramente formal, integra o
próprio âmago da democracia, sendo que nesta, segundo Boaventura, temos o
direito de ser iguais quando a diferença nos inferioriza, e o direito a ser
diferentes quando a igualdade nos descaracteriza. O sociólogo aponta, ainda,
como citado no mesmo documento, a necessidade de uma igualdade capaz de
reconhecer as diferenças e de uma diferença que não alimente as desigualdades.
Num panorama de sociedade
conservador, marcado por desigualdades históricas e injustiças sociais, este
julgamento do STF é caracterizado por sua justiça e sabedoria: não observa a
norma conquanto instituição atemporal, e sim faz uma análise desta na óptica da
atualidade, buscando, com efeito, não apenas aplica-la, mas faze-lo para
obtenção da justiça social e da correção de desigualdades arrastadas ao longo
da história. Dalmo Dallari (2005, p.309) aponta que não se deve admitir
desigualdade no ponto de partida, assegurando à uns condições propícias, sejam
econômicas ou intelectuais, e negando tais fatores a outros, visando o conceito
de isonomia. O Ácordão do STF vai diretamente de encontro a este pensamento,
combatendo tal discrepância inicial por meio da permissão do sistema de cotas
raciais.
O sistema de cotas raciais
revela-se, enquanto polêmico, fundamental para a construção de sociedade mais
justa. Deve ser lapidado, para que se torne menos aberto à polêmicas e mesmo à
própria injustiça: pode-se lembrar, por exemplo, do caso dos irmãos gêmeos
univitelinos que, na mesma Universidade de Brasília, foram relacionados de forma distinta quando recorreram ao sistema de cotas. No entanto, seguem tendo papel
basilar na correção das desigualdades históricas e no uso do Direito
emancipatório trabalhado por Boaventura.
Gabriel Cândido Vendrasco - 1º ano diurno
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