Já no princípio do texto, Boaventura
expõe-nos os seguintes questionamentos: “[...] será
que o progresso das ciências e das artes contribui para a pureza ou para a corrupção
dos costumes? Ou, numa formulação ainda mais simples: haverá uma relação entre
a ciência e a virtude? [...] poderá ser o direito emancipatório?”
A resposta a essas perguntas exige a contraposição do pensamento hegeliano – o direito como liberdade – em relação ao pensamento marxista – o direito como dominação político-social.
Tais reflexões são essenciais num momento como o atual, em que “[A sociedade está dividida] em muitos apartheids e polarizada segundo eixos econômicos, sociais, políticos e culturais. A luta pelo bem comum parece estar a perder sentido [...]”, já que o direito é um dos meios de se alcançar uma transformação social - que, de acordo com Boaventura, é nada mais que “[...] uma tensão entre a regulação social e a emancipação social [...]”.
No Brasil, a falácia da democracia racial, na qual
não existem preconceitos, cria obstáculos à diminuição destes e à consequente
emancipação social, bem como grandes discussões acerca de alguns assuntos, como
o das cotas com base em critérios étnico-raciais, as quais são a constatação de
que o preconceito e a exclusão existem, sim, no País.
Esse sistema de reserva de vagas deve ser defendido,
já que grande parte da população brasileira ainda sofre com os resquícios deixados
pela herança escravista do País, tendo, portanto, acesso restrito a serviços,
como a educação. Visto que a maior parte dessa população é marginalizada socioeconomicamente,
não possui as mesmas chances que a elite cultural - e majoritariamente branca. Dessa
forma, as cotas são uma política de ação afirmativa para integrá-la ao sistema,
permitindo que, dentro das universidades, lute contra o preconceito existente
nela – reflexo do conservadorismo e preconceitos da sociedade – e fora dela.
Boaventura ressalta a necessidade de
haver a construção de um “pós-modernismo de oposição”, de natureza
emancipatória, em uma perspectiva “pós-colonial” e “pós-imperial”. E as cotas
surgem exatamente com esse sentido do direito emancipatório, como um mecanismo
de correção dos diversos “apartheids”, e em oposição em relação à chamada
regulação social, mas em concordância com a igualdade pretendida em nossa Magna
Carta. Ademais, o autor afirma: “Temos o direito de ser iguais quando a nossa
diferença nos inferioriza; e temos o direito de ser diferentes quando a nossa
igualdade nos descaracteriza. Daí a necessidade de uma igualdade que reconheça
as diferenças e de uma diferença que não produza, alimente ou reproduza as
desigualdades”.
No
entanto, é importante a seguinte ressalta feita pelo autor, acerca da
insuficiência da política de cotas diante desse problema tão extenso, que é o
preconceito enraizado na cultura, porém negado pelo mito da democracia racial: “Cotas não vão resolver o problema da
dívida colonial brasileira, mas é um passo importante para saldar uma parte
dela”.
Por fim, pode-se concluir que, a despeito de certas
restrições, Boaventura aproxima-se do pensamento hegeliano, que vê o direito
como liberdade, como emancipação, diante de todas as opressões e preconceitos
existentes na sociedade.
Nathalia Neves Escher – 1º ano de
Direito (Noturno).
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