As
cotas raciais, implantadas com pioneirismo pela UNB, em 2006,
sofreram e ainda sofrem forte resistência dentro da sociedade. Prova
disso é a ADPF (Arguição de Descumprimento de Preceito
Fundamental) instigada pelo DEM contra a política de reserva de
vagas da UNB. Os argumentos do partido giravam em torno do princípio
da isonomia, meritocracia e de que as cotas não eram nada mais do
que uma forma de discriminação. O STF negou o pedido do partido,
legitimando as cotas raciais que iria se espalhar rapidamente por
várias universidades públicas. A decisão do Supremo Tribunal
Federal é a consagração da visão de Boaventura de enxergar o
Direito como um possível instrumento de emancipação social: O
mesmo direito serviu de argumentação favorável e contraria à
política de cotas raciais.
Em
tempos de crise nas finanças estatais, um argumento contra a
política de cotas é o financeiro. Isso porque os alunos que entram
nas universidades por cotas, em sua maioria, necessitam de auxílio
permanência, devido à condição social que o mesmo se encontra. A
Legalidade Hegemônica, de Boaventura, busca, nesse caso, o
equilíbrio econômico da instituição,. Por outro lado, na quando
se fala em universidades, berço do conhecimento, do desenvolvimento
intelectual e da produção de material científico, minimizar o
acesso de negros significa barrar a visão e contribuição de um
grupo social que é, claramente, marginalizado em diversas situações.
Nesse caso, a Legalidade Cosmopolita Contra-hegemônico deve ser
invocada para que possamos, ao mesmo tempo que acolhemos os negros
dentro das universidades, equilibremos as contas públicas. Pensar
Boaventura é superar um direito minimalista, que é funcional à
racionalidade econômica. Devemos, portanto, abandonar a estrita racionalidade weberiana, onde, nesse caso, só se leva em conta a questão econômica.
Argumentar
que negros desenvolveriam trabalhos com uma visão diferente das de
outros grupos pode parecer uma espécie de Fascismo Social, já que
estou monopolizando uma visão de mundo a uma determinada classe de
pessoas. Respondo que não. A Universidade, principalmente a pública,
dá ao seu aluno a possibilidade de explorar, por meio de pesquisas,
eventos, palestras, cursos, etc, suas potencialidades e desejos. É
evidente que um grupo que sofre pressões específicas, como é o
caso dos negros, por sua própria vivência, desenvolverá dentro das
universidades linhas de conhecimento também específicas. Inclui-los
é, então, o desenvolvimento dentro das academias de uma visão
diversa da hegemônica.
Dentro
da Sociedade Civil Intima, encontramos grupos sociais caracterizados
pela hiper-inclusão. Esses grupos encontram-se mais incluídos às
possibilidades de mercado, estudo e trabalho do que qualquer política
pública seja capaz de promover para grupos marginalizados. Dentro
das universidades não é diferente: existem setores da sociedade que
tem uma maior facilidade para entrar no meio acadêmico já que, por
sua melhor condição financeira, foi viável o pagamento de escolas
particulares muito melhores que escolas públicas. É evidente que o
negro, hoje, é o esteriótipo da falta de possibilidade de estudo.
Não é difícil constatar essa afirmação, basta olharmos para
cadeias e favelas. Nesses locais, encontraremos a soma de 2 fatores:
baixa escolarização e intensa presença de pessoas negras. Fatos esses, consequência do que podemos chamar de uma luta de classes onde os negros estiveram, durante séculos, subjulgados e marginalizados como classe mais fraca. Dessa
forma, o argumento de responsabilização do indivíduo cai por
terra, já que não é só a vontade do ser que o torna capacitado
para enfrentar vestibulares difíceis e cansativos, mas a somatória
de diversos fatores que são privilégios, garantidos por uma questão
histórica, de determinados grupos sociais. Pensar em
responsabilização do indivíduo é se valer de uma fascismo
temporal do hoje que ignora os acontecimentos do pretérito.
“Mesmo
depois de abolida a escravidão
Negra é a mão
De quem faz a limpeza
Lavando a roupa encardida, esfregando o chão
Negra é a mão
É a mão da pureza”
Negra é a mão
De quem faz a limpeza
Lavando a roupa encardida, esfregando o chão
Negra é a mão
É a mão da pureza”
(A
mão da Limpeza – Gilberto Gil)
Dessa
forma, ao chocarmos a questão das cotas raciais com as ideias de
Boaventura de Sousa Santos chegamos à síntese de uma necessidade
não só social de inclusão, mas de uma elevação da diversidade
das produções acadêmicas. Dessa forma, não são só o grupo de
negros que encontra-se marginalizados que ganha espaço dentro das
plataformas de destaque da sociedade, mas o próprio corpo social
recebe uma diversificação da produção cientifica. A tentativa do
negro de se incluir dentro do contra social enfrenta a emergência de
um conservadorismo que não aceita, de forma alguma, que o Direito
Hegemônico sirva como ferramenta para que, por meio do choque da
regulação social e da emancipação social, sintetize uma garantia
de bem-estar no Estado de Direito. Cabe a nós, academicistas,
detentores do conhecimento, usarmos o mesmo para reverter a lógica
hegemônica e utilizar a tal regulação social como mecanismo de
emancipação social.
Guilherme Araujo Morelli Costa - 1°Ano Direito Noturno
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