Em meados de 2004,
trabalhadores sem teto da região do vale do paraíba e suas famílias,
aproximadamente 6 mil pessoas, iniciaram um movimento de posse de um decimo de uma
área de mais de 1 milhão de metros quadrados que era ocupada por apenas um
homem, o caseiro, Joao Alves de Siqueira, cuja a única função era assegurar legislativamente
a posse de toda aquela terra. Terra essa que se encontrava totalmente
improdutiva e sem nenhuma função social. Essa área compreendia-se como massa
falida da empresa Selecta Comércio e Indústria que tinha como acionista
majoritário o megaespeculador financeiro Naji Nahas que em um primeiro momento
não se interessou pela situação. Dessa maneira, essas famílias transformaram
aquela região em seus lares, em sua comunidade nomeada Pinheirinho.
No entanto, após 8 anos
de tranquilidade, de desenvolvimento, do crescimento do vínculo dessas pessoas
com o local que fora por tanto tempo seu espaço de felicidade, segurança, amor,
aonde dia após dia construíram suas casas, solidificaram suas
vidas e suas relações, desenvolveram comércios e empregos locais,
garantindo a sobrevivência diária, o judiciário através da juíza Marcia Faria
Mathey Loureiro declara a sentença que determina a desocupação da área por
essas 1600 famílias, alegando ser a função da justiça fazer valer a
constituição, não importando as causas sociais, não importando ser o dono do
terreno um pessoa física ou jurídica, uma vez que ele é alguém que trabalhou,
se esforçou, merece e tem o dever de ter seu direito a propriedade assegurado,
não importando qual seria o destino e o que aconteceria com essas famílias após
a desocupação, sobrepondo o direito à propriedade ao direito de moradia, se
isentando do dever de avaliar e tomar a melhor decisão para preservar a vida, a
dignidade, o psicológico, a felicidade e principalmente o bem mínimo, que é
possuir um local para viver de tantas famílias.
Dessa Forma, tamanho
absurdo culminou na ordem de desapropriação que levou 2 mil policiais ao Pinheirinho
para exercer a soberania do mais “forte” e expulsar todas as pessoas e com elas
todos os sonhos, toda a vida construída e todos os laços desenvolvidos. Essa
desapropriação ocorreu de forma monstruosa, os policias utilizaram de armas de
fogo e atiraram contra a população civil que se armava com estilingue, não
permitindo nem a retirada dos pertences de suas residências, deixando um lastro
de violência física e psicológica, com diversas denúncias de agressão, pessoas
baleadas, abusos sexuais, humilhação e até morte de animais. Soma-se a toda
essa brutalidade, como grande final as famílias do Pinheirinho assistiram suas
casas sendo demolidas com seus pertences dentro.
Podemos ver neste caso um claro
exemplo da reflexão sobre qual a função do Direito dentro do Estado e como
devem os juristas agirem. O papel do Estado seria apenas o
de seguir as normas escritas e pensar racionalmente operando no mundo das
ideias, sem conhecer e estudar a peça em seu sentido social, sem avaliar quais
os danos que a sentença acarretará, sem se pautar na neutralidade, sem ser
humanizado, sem buscar o melhor para todos? Seguindo os dizeres de Hegel, sim,
uma vez que o direito garante a liberdade de todos conquistarem sua propriedade.
Neste caso, o bairro Pinheirinho pertenceria àquele que tivesse sua
posse legal, uma escritura de compra, um nome no cartório, mesmo que nunca
tenha pisado ali. Assim, o Estado deveria prezar pela lei e não pela
justiça; os juristas deveriam ser instrumentos de um código e não cientistas
sociais pensantes. Toda essa teoria se comporta como uma grande falácia,
utilizada para justificar as imoralidades, a falta de humanidade que compõem os
órgãos de dominação do estado que primam sempre pelo capital, sendo o direito
um instrumento das classes dominantes.
Para a classe beneficiada do
capitalismo adepta da visão de Hegel, deixar pessoas desfavorecidas fora de
seus lares para defender o direito à propriedade de uma empresa que já não
existe é uma decisão justa e não criminosa, afinal o direito à propriedade não
pode ser suprimido em prol da vida digna, e o direito à moradia não pode
existir às custas da “invasão” de uma propriedade particular.
Nesse
contexto, as afirmações de Marx traçaram e ainda traçam a forma de organização
da sociedade. Marx, crítica a
concepção estatal hegeliana como uma abstração, que só é possível no mundo das
ideias, na prática, o Estado existe apenas para resguardar a segurança de
acumulação dos homens que possuem o capital. Dessa perspectiva, o Direito é
usado a fim de perpetuar a lógica de acumulação capitalista. Através do uso da
força, encarnada nos policiais militares, a burguesia manda e desmanda e ao
dominados, a classe proletariado cabe a opressão, a exclusão e a submissão. A união da teoria marxista com o caso do
Pinheirinho confirma que toda a sociedade se organiza a partir do modo de
produção, e que no capitalismo o pressuposto da igualdade perante o estado é
uma mentira que mascara a realidade e esconde as injustiças para manter o poder
da classe dominante. Se 1600 famílias se dirigirem a um terreno
inutilizado e o ocupam, não é por mera escolha e sim porque foram forçados por
um sistema desigual e desumano que passa a falsa imagem de que as desigualdades
e condições de exploração da classe burguesa com a classe operária é algo
natural e legal e não historicamente condicionado.
Jéssica Xavier
1° ano noturno
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