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sábado, 1 de outubro de 2016

O Capital Sobre o Direito

Em meados de 2004, trabalhadores sem teto da região do vale do paraíba e suas famílias, aproximadamente 6 mil pessoas, iniciaram um movimento de posse de um decimo de uma área de mais de 1 milhão de metros quadrados que era ocupada por apenas um homem, o caseiro, Joao Alves de Siqueira, cuja a única função era assegurar legislativamente a posse de toda aquela terra. Terra essa que se encontrava totalmente improdutiva e sem nenhuma função social. Essa área compreendia-se como massa falida da empresa Selecta Comércio e Indústria que tinha como acionista majoritário o megaespeculador financeiro Naji Nahas que em um primeiro momento não se interessou pela situação. Dessa maneira, essas famílias transformaram aquela região em seus lares, em sua comunidade nomeada Pinheirinho.
No entanto, após 8 anos de tranquilidade, de desenvolvimento, do crescimento do vínculo dessas pessoas com o local que fora por tanto tempo seu espaço de felicidade, segurança, amor, aonde dia após dia construíram suas casas, solidificaram suas vidas e suas relações, desenvolveram comércios e empregos locais, garantindo a sobrevivência diária, o judiciário através da juíza Marcia Faria Mathey Loureiro declara a sentença que determina a desocupação da área por essas 1600 famílias, alegando ser a função da justiça fazer valer a constituição, não importando as causas sociais, não importando ser o dono do terreno um pessoa física ou jurídica, uma vez que ele é alguém que trabalhou, se esforçou, merece e tem o dever de ter seu direito a propriedade assegurado, não importando qual seria o destino e o que aconteceria com essas famílias após a desocupação, sobrepondo o direito à propriedade ao direito de moradia, se isentando do dever de avaliar e tomar a melhor decisão para preservar a vida, a dignidade, o psicológico, a felicidade e principalmente o bem mínimo, que é possuir um local para viver de tantas famílias.
Dessa Forma, tamanho absurdo culminou na ordem de desapropriação que levou 2 mil policiais ao Pinheirinho para exercer a soberania do mais “forte” e expulsar todas as pessoas e com elas todos os sonhos, toda a vida construída e todos os laços desenvolvidos. Essa desapropriação ocorreu de forma monstruosa, os policias utilizaram de armas de fogo e atiraram contra a população civil que se armava com estilingue, não permitindo nem a retirada dos pertences de suas residências, deixando um lastro de violência física e psicológica, com diversas denúncias de agressão, pessoas baleadas, abusos sexuais, humilhação e até morte de animais. Soma-se a toda essa brutalidade, como grande final as famílias do Pinheirinho assistiram suas casas sendo demolidas com seus pertences dentro.
Podemos ver neste caso um claro exemplo da reflexão sobre qual a função do Direito dentro do Estado e como devem os juristas agirem. O papel do Estado seria apenas o de seguir as normas escritas e pensar racionalmente operando no mundo das ideias, sem conhecer e estudar a peça em seu sentido social, sem avaliar quais os danos que a sentença acarretará, sem se pautar na neutralidade, sem ser humanizado, sem buscar o melhor para todos? Seguindo os dizeres de Hegel, sim, uma vez que o direito garante a liberdade de todos conquistarem sua propriedade. Neste caso, o bairro Pinheirinho pertenceria àquele que tivesse sua posse legal, uma escritura de compra, um nome no cartório, mesmo que nunca tenha pisado ali. Assim, o Estado deveria prezar pela lei e não pela justiça; os juristas deveriam ser instrumentos de um código e não cientistas sociais pensantes. Toda essa teoria se comporta como uma grande falácia, utilizada para justificar as imoralidades, a falta de humanidade que compõem os órgãos de dominação do estado que primam sempre pelo capital, sendo o direito um instrumento das classes dominantes.
Para a classe beneficiada do capitalismo adepta da visão de Hegel, deixar pessoas desfavorecidas fora de seus lares para defender o direito à propriedade de uma empresa que já não existe é uma decisão justa e não criminosa, afinal o direito à propriedade não pode ser suprimido em prol da vida digna, e o direito à moradia não pode existir às custas da “invasão” de uma propriedade particular.
Nesse contexto, as afirmações de Marx traçaram e ainda traçam a forma de organização da sociedade. Marx, crítica a concepção estatal hegeliana como uma abstração, que só é possível no mundo das ideias, na prática, o Estado existe apenas para resguardar a segurança de acumulação dos homens que possuem o capital. Dessa perspectiva, o Direito é usado a fim de perpetuar a lógica de acumulação capitalista. Através do uso da força, encarnada nos policiais militares, a burguesia manda e desmanda e ao dominados, a classe proletariado cabe a opressão, a exclusão e a submissão.  A união da teoria marxista com o caso do Pinheirinho confirma que toda a sociedade se organiza a partir do modo de produção, e que no capitalismo o pressuposto da igualdade perante o estado é uma mentira que mascara a realidade e esconde as injustiças para manter o poder da classe dominante. Se 1600 famílias se dirigirem a um terreno inutilizado e o ocupam, não é por mera escolha e sim porque foram forçados por um sistema desigual e desumano que passa a falsa imagem de que as desigualdades e condições de exploração da classe burguesa com a classe operária é algo natural e legal e não historicamente condicionado.

Jéssica Xavier
1° ano noturno


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