Casos como o julgamento do homicídio de Dandara
dos Santos destoam do padrão de conduta adotado pela maioria dos juristas do
país. Isso porque a juíza Danielle Pontes de Arruda Pinheiro, ciente do
contexto social e das disparidades de gênero, raça, sexualidade e das lutas
enfrentadas por diversos grupos sociais, munida de conhecimento sociológico,
foi pioneira ao qualificar o homicídio com a motivação torpe de transfobia,
reconhecendo-o como um ato de violência de gênero e identidade.
Esse caso é de extrema importância, pois,
seguindo a lógica funcionalista preconizada por Durkheim, a juíza reconheceu as
reivindicações sociais e as lutas dos indivíduos transexuais, adequando o
Direito a essas demandas e tornando-os sujeitos de direitos. Dessa forma,
contribuiu para evitar a anomia, ao readequar as normas da sociedade de modo a
abarcar novas realidades. A justiça, nesse caso, foi corretamente aplicada para
julgar uma situação envolvendo um grupo social frequentemente excluído, ignorado
e marginalizado, reconhecendo a transfobia como crime específico e não apenas
como um homicídio comum.
Infelizmente, a maioria dos juristas, ainda
influenciada por uma visão positivista, conforme preconizada por Comte, ignora
tais diferenças entre os indivíduos, desconsiderando o preconceito, os ataques
e a violência de que são alvo. Acreditam que mudanças que legitimam a
diversidade corrompem a sociedade e impedem o progresso. Assim, tratam casos
"especiais", que exigiriam uma análise mais aprofundada de seu
contexto, como se fossem iguais a qualquer outro. Isso evidencia a falta de
conhecimento sociológico necessário para compreender o social e suas
reverberações no sistema judiciário.
Nesse contexto, um exemplo de comportamento
positivista é o do desembargador Luis Cesar de Paula Espindola, condenado com
base na Lei Maria da Penha, que criticou o “discurso feminista” e proferiu,
durante uma sessão de julgamento, que “as mulheres estão loucas atrás dos
homens”. Tais atitudes evidenciam uma forte desconexão com a realidade e uma
mentalidade fantasiosa que ainda prevalece na mente de muitos juristas. Esses
profissionais, em sua maioria, desconsideram todo o sofrimento, a discriminação
e a supressão de direitos que as mulheres enfrentaram ao longo da história,
além de criticar um movimento extremamente importante, o feminismo, que
conquistou e continua conquistando igualdade e espaço para as mulheres na
sociedade.
Em suma, é notória a importância das ciências
sociais em qualquer esfera da vida profissional, e até pessoal, do jurista.
Para mobilizar as leis e utilizá-las como instrumentos de garantia de direitos
às minorias, é fundamental conhecer o tecido social, bem como as reivindicações
latentes dos diversos grupos que compõem a sociedade. Só assim será possível
julgar de maneira mais justa e equitativa, evitando que preconceitos ou visões
retrógradas, ainda fortemente enraizadas no grupo hegemônico, conduzam a
decisões injustas.
Gustavo Zoca Goulart de Andrade - primeiro ano
de direito noturno
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