O “Estado de Natureza”, para o filósofo jusnaturalista John Locke, é um estado de relações selvagens em que o órgão estatal ainda não foi criado para mediar as relações humanas. Segundo o pensador, nesse meio, os homens vivem como verdadeiros animais selvagens, tendo de estar alerta sobre tudo o que ocorre ao seu redor para sobreviver. Fora do conceito filosófico, percebe-se que, na contemporaneidade, a humanidade se comporta de modo análogo aos selvagens, visto que a multitarefa – capacidade que promove, do mesmo modo, um estado de atenção sobre os acontecimentos – é predominante no tecido social por ser ensinada desde a educação primária. Sobre isso, nessa perspectiva, é imperioso ressaltar que, devido ao modo de vida capitalista, a educação básica e a formação profissional promovem, lastimavelmente, a multitarefa. Entretanto, a fim de proporcionar uma vida de virtudes e de racionalismo crítico, comprometendo-se em equilibrar os dois pólos, essas instituições deveriam instigar, para além do currículo obrigatório, a reflexão e o ócio criativo.
Mormente, é mister analisar essa dicotomia à luz do funcionalismo proposto por Émile Durkheim. Para ele, a educação é uma das mais importantes instituições sociais, sendo por meio dela a transmissão da moral coletiva, os valores comuns e as normas sociais necessárias para a integração do indivíduo ao grupo. Sendo assim, o pensador enxergaria o dilema entre instigar a produtividade exacerbada ao indivíduo e formá-lo como sujeito consciente, ético e autônomo como reflexo dos desafios da solidariedade orgânica, típica das sociedades modernas, em que os indivíduos possuem funções diferentes, mas precisam se manter integrados por valores comuns. Logo, se a escola prioriza somente a formação técnica, ela compromete a coesão moral da sociedade e se ignora a preparação para o trabalho, desalinha o indivíduo de sua função social, gerando desajustes.
Outrossim, nota-se que a educação escolar convencional, hodiernamente, tem como principal ponto negativo o fornecimento da multitarefa como fator de formação da sociedade. Segundo pesquisas recentes de sociólogos de todo o mundo, o planeta não está mais na era do Antropoceno – em que os humanos comandavam e controlavam as relações sociais – mas está na era do Capitaloceno – em que o modo de produção capitalista rege as interações sociais e econômicas. Diante disso, torna-se fato, então, que o capitalismo influencia os métodos de ensino que serão passados às crianças, em que a escola propõe e forma o modo correto de pensar esse comportamento, a fim de, no futuro, conseguir ensinar os indivíduos sobre os padrões das relações de trabalho. Sob essa ótica, é possível retomar Émile Durkheim, que compreendia a escola como uma “sociedade em miniatura”. Afinal, ao submeter o processo educativo à lógica produtivista do capitalismo, esvazia-se a dimensão moral e cívica da formação escolar, gerando um tipo de socialização que prioriza a adaptação técnica em detrimento da solidariedade social.
Para Durkheim, tal desequilíbrio ameaça a coesão das sociedades modernas, pois compromete o papel integrador da educação e intensifica o risco de anomia — situação em que as normas perdem sua força reguladora e os indivíduos, sua orientação coletiva. Embora defendesse a importância da preparação para o trabalho, o antropólogo francês também valorizava a formação moral e intelectual, entendendo que o desenvolvimento da consciência coletiva exige momentos de reflexão e interiorização de valores — elementos que não florescem sob a pressão constante da produtividade. Portanto, nota-se que, para se ter uma população com racionalismo crítico e as devidas virtudes que favorecem o corpo social, a educação não mais deve ser pautada pelo capitalismo, mas sim pela reflexão e pelo ócio criativo, visto que favorecem a formação de um olhar mais amplo e crítico socialmente ao promoverem maior atenção sobre a cultura e senso crítico a respeito das relações socioeconômicas vigentes.
Diante do exposto, torna-se evidente que a superação do falso dilema entre multitarefa e reflexão exige uma concepção de educação que integre, de forma equilibrada, a formação técnica com o desenvolvimento moral e crítico dos indivíduos. Ademais, seguindo o pensamento durkheimiano, a função social da educação é garantir a continuidade e a coesão da sociedade e ignorar esse aspecto é comprometer não apenas a formação individual, mas a própria estabilidade social. Por fim, à luz do funcionalismo de Émile Durkheim, pode-se compreender a dicotomia entre multitarefa e reflexão: há a necessidade de uma educação que vá além da ideologia de produtividade.
Amanda Caroline Vitorasso, 1° ano - Direito (Matutino)
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