É inegável que o Brasil é um país com um histórico de racismo, visto que o tráfico de pessoas escravizadas foi uma ação econômica proeminente durante o período colonial e imperial, que ainda atualmente lida com esse problema. Um dos fatores que dificulta o combate ao preconceito no país é a tardia criminalização da prática, com apenas na Constituição de 1988, pela lei n.º 7716, que o racismo passou a ser considerado crime inafiançável, ocasionando em um choque entre os comportamentos que se enquadram nesse crime, mas possuem uma presença cultural forte, seja por influência familiar ou do meio social, resultando na propagação de dizeres como "chuta que é macumba" e a taxação de afrodescendentes como criminosos em potencial. O resultado desse embate é o indivíduo que pratica racismo negar o ato, afinal não se enxerga como um criminoso, mesmo que claramente o ato se enquadre na classificação. Como consequência dessa negação do próprio racismo, há a tentativa de distinguir determinados comportamentos como sendo racistas que, visto a sociedade judicializada atual, inevitavelmente torna-se assunto jurídico, como o caso da apelação APR 264402 SC 2002.026440-2, na qual o relator Solon d'Eça Neves define como não sendo racismo ou injúria racial expressões proferidas "no calor e no auge de uma discussão".
No entanto, o judiciário pode ser usado não apenas como uma forma de normalizar o racismo, mas como uma maneira de o combater, com movimentos como de Iotti Stamato Advogados Associados para a tipificação de injúria racial como racismo, aumentando assim a sanção imposta ao infrator. Essa mobilização a respeito do direito à igualdade, com tal sendo garantido pelo Art. 5° da Constituição vigente, é de suma importância no combate ao racismo no Brasil, pois não somente aumenta a visibilidade do movimento como também se utiliza do poder que o tribunal exerce, mesmo que indiretamente, na população pelo fato do juiz ser tratado, conforme a interpretação do jurista Antoine Garapon, como uma figura de autoridade quase paterna. Destarte, com o judiciário sinalizando através de um maior rigor no combate ao preconceito, como a injúria racial sendo equiparada ao crime de racismo pelo Supremo Tribunal Federal em outubro de 2021, combate esse ato pela influência que os tribunais exercem sobre a formação da moralidade do indivíduo, pois, no ver do pensador Michael W. McCann, os mesmos são encorajados a aceitar as visões dessa instituição devido a serem um indicador do que são bons e legítimos na valores sociedade, combatendo ademais a negação do racista a respeito de seu própria conduta. Também é importante ressaltar que, ao levar a questão do racismo ao âmbito jurídico, pode haver uma redução desse tipo de crime pelo fato de que, não havendo a certeza de que haverá uma decisão judicial favorável a ele, o racista se absteria do ato por medo da possibilidade da sanção e da repercussão.
Em suma, para o combate contra o enraizado, e de certa forma cultural, racismo existente no Brasil, é necessário que haja simultaneamente uma ação de maior sanção a tal crime, como pode ocorrer no supracitado caso da injúria racial tornar a ser considerada racismo, aumentando assim a punição a aqueles que cometem o delito e assim desmantelando qualquer sensação de impunidade que racistas possam ter em relação a tal ato, e a clara sinalização do judiciário ser contra a prática do racismo, dessa forma tornado explícito o quão inaceitável esses valores presos ainda ao período colonial são na sociedade moderna. Porém, é necessário cautela para que essa mobilização do direito não gere resultados contrários ao desejado, com o fortalecimento do racismo caso o judiciário adote medidas que amenizem a pena daqueles que cometeram as sobreditas infrações, sendo essencial que haja uma constante acompanhamento por parte dos próprios movimentos a favor do direito à igualdade se o judiciário pende a favor ou contra o que é previsto no Art°5 da Constituição.
Rafael Nascimento Feitosa, Direito Diurno
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