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sábado, 20 de novembro de 2021

ADPF "das favelas" e a mobilização do direito.

         Michael McCann define brevemente a mobilização do direito como ações de indivíduos grupos e organizações em busca de seus interesses e valores. Estes tipos de ação se revelaram como novos "instrumentos" de movimentos sociais, políticos e até das elites organizadas de conseguirem seus objetivos sem necessidade de lidar com os empecilhos da disputa eleitoral. Tais ações são possíveis e extremamente favoráveis no caso brasileiro pela sua constituição ter um grande caráter "garantista", em que praticamente qualquer pauta social, quando proposta com boa argumentação jurídica, pode ser enquadrada em algum preceito fundamental já existente. Em poucos casos esta mobilização foi tão visível e frutuosa para seus proponentes como no caso da ADPF 635, proposta pelo PSB em 2019, que veio a ser batizada de "ADPF das favelas".

        Esta ADPF, elaborada em conjunto com diversos movimentos sociais de favelas e comunidades carentes cariocas, questionava a legalidade de alguns decretos do governo carioca acerca das intervenções policiais em favelas. Principalmente questionava os mandados de busca "coletivos" e o uso de helicópteros como plataformas de tiro, alegando que causavam terror psicológico aos moradores e que a intervenção policial em si colocava os moradores no "fogo cruzado" e portanto interferiria com seu direito à vida e segurança. Não houveram grandes movimentações no processo até o ano de 2020, quando seu relator no STF concedeu liminar favorável em resposta a um requerimento de mesmo autor e mesmo ano dentro da ação que pedia o fim de ações policiais nas favelas cariocas até o fim da pandemia de Covid. 

        Após as vistas dos outros ministros foram também julgadas as medidas cautelares, onde ficou proibido o uso de helicópteros "armados", somente podendo ser usados para observação ou acompanhamento das operações em terra. A necessidade de manutenção da cena do crime e perícia da polícia científica para qualquer morte decorrente de ação policial, pois haviam acusações de que os policiais sob pretexto de socorrer os baleados desfaziam a cena do crime e impossibilitavam a perícia. A proibição de operações policiais, salvo em caráter excepcional, nas proximidades de escolas, creches e hospitais dentro de comunidades.

        Este caso ilustre da mobilização do direito por parte dos movimentos sociais e partidos de esquerda é não só um representante deste movimento de mobilização mas também um exemplo do reino inconteste das instituições judiciárias sobre a sociedade brasileira. Especialmente neste caso e neste tema, onde há meros 15 anos era retratado no grande sucesso de bilheteria "Tropa de Elite I" como uma pauta de maconheiros playboys da UFRJ responsáveis em parte pela morte de um protagonista do filme e xingados de "bando de burguês safado" por outro. De nada valeu a rejeição social por estas pautas, traduzidas na bilheteria histórica do filme, bem como na votação expressiva do governador Witzel, até então desconhecido, que trouxe como plano de governo o endurecimento no combate ao crime organizado. Todas falharam ao serem defrontadas com a pena dos magistrados federais, um movimento interessante e inédito do ponto de vista político-institucional que vem ganhando corpo desde os anos 2000 que serve também como um instrumento e catalisador destas mobilizações sociais do direito pelos mais diversos grupos.


Rafael C M Martinelli / Direito / Noturno / 2o SEM


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