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sexta-feira, 25 de outubro de 2019

A terceirização de atividade-fim: precarização laboral e democrática.

  A tese de que o Capitalismo é um sistema autopoiético apresenta seus fundamentos escancarados nos seus chamados “ciclos econômicos”. E essa tese, sustentada por análises de que o próprio sistema forja crises para se recuperar posteriormente, pode ser exemplificada pela adoção de medidas de austeridade em tempos de crises econômicas. Diante disso, é totalmente pertinente a essa temática a reflexão acerca da ADPF 324, a qual julgou procedente a constitucionalidade da terceirização de atividade-fim no ano passado, 2018.
  A decisão do STF pela licitude da terceirização de qualquer atividade empresarial, independentemente da etapa do processo produtivo, pode ser tratada como representação, reflexo da postura estatal, tratada por Antônio Casimiro Ferreira, de objetificação da crise econômica para a subordinação de trabalhadores a um ritmo de mercado ditado pela dinâmica capitalista em vigor. Essa postura é ilustrada pelo fato de que, ao se terceirizar atividades empresariais pela contratação de uma outra empresa para realização de determinada atividade inserida no processo produtivo, cria-se a ilusão de que tal medida seria fonte de maior geração de emprego. Contudo, simultaneamente a esse primeiro impacto prático da terceirização, são estruturadas brechas gritantes que impulsionam a precarização das condições de trabalho dos empregados, contratados por empresas terceirizadas.
  Nesse sentido, em acordância com Casimiro Ferreira sobre a constatação e intensificação da erosão de direitos sociais moldada por medidas de austeridade tomadas pelo próprio governo, a decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal apenas reforça a priorização da máquina econômica em detrimento da real garantia de direitos e condições fundamentais trabalhistas. Desse modo, os trabalhadores- ditos como protegidos pela legislação trabalhista cada vez mais deteriorada ao longo das “crises brasileiras” - se tornam apenas meros objetos desprezados frente à importância do funcionamento produtivo diante de um período de crise. Por conseguinte, quem mais sofre com as crises econômicas e suas consequentes medidas cíclicas de austeridade é a classe proletária, com destaque, principalmente, aos contratados terceirizados, que se sujeitam a salários injustos, condições laborais de risco, abusos administrativos, violação de garantias essenciais, como o pagamento proporcional e descansos semanais, em prol da manutenção de uma dinâmica econômica fantasiada de justiça social.
  Tendo em vista que maiores prejuízos podem ser constatados pela terceirização de atividades, essa medida- que deveria impulsionar a superação de obstáculos econômicos para proporcionar melhorias sociais com a geração de empregos, apenas beneficia as empresas contratantes, as quais se sentem livres para submeter o trabalhador a condições extremas até mesmo por meio de fraudes contratuais, consequências das inevitáveis brechas de fiscalização constantes no país. Assim, como apontado por Casimiro Ferreira e argumento também utilizado pela Ministra Rosa Weber ao votar contra a terceirização de atividade-fim pelas empresas, as precarizações do trabalho terceirizado apenas refletem a liberalização do direito do trabalho que motiva e justifica abusos, criação de postos de trabalhos precarizados que, consequentemente, violam todos os ideais de respeito e garantia da dignidade humana. Por isso, mesmo sendo constante na Constituição Federal, como dever do Estado, a proteção das relações de emprego em respeito aos direitos individuais e aos direitos humanos fundamentais, a decisão proferida pela mais alta instância judiciária do país despreza todos os obstáculos e abusos existentes nas relações laborais, ressaltando apenas a relevância econômica, e não social e humana, envolvida no processo produtivo.
  Logo, diante da análise acerca da terceirização de atividade-fim, constata-se uma postura inesperada e antidemocrática adotada pelo STF- este que deveria ser a mais alta instância garantidora da democracia, justamente por atuar como guardião da democrática Constituição Federal de 1988. Por conseguinte, observa-se, ainda, uma tendência permeada e norteadora de decisão consistente na manutenção de uma certa seguridade direcionada às altas camadas sociais, e não à classe trabalhadora- cuja titularidade deveria ser legítima frente a tantos privilégios concedidos às classes detentoras de meio de produção, a classe do empresariado. Portanto, constata-se um destoamento decisório quanto às anteriores condutas caracterizantes do Judiciário- norteadas por princípios verdadeiramente constitucionais em compromisso com a proteção de partes fragilizadas pela própria democracia – o qual evidencia a imaturidade democrática mantenedora de configurações privilegiadas centenárias.

Lorena Yumi Pistori Ynomoto- Direito Noturno 

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