Uma célula, uma peça e um ser
humano. Seriam esses três elementos passíveis de comparação?
Estaria o humano para o corpo social, assim como a célula está para
o organismo e a peça para a engrenagem? A resposta da filosofia
funcionalista defendida por Durkheim é de que sim, mas acredito que
a resposta genuína de cada mente pensante e de cada coração
pulsante não seja assim tão reducionista.
As ideias positivistas
impulsionaram a humanidade para uma categorização simplista daquilo
que o ser humano é. Ou seja, se só se é diante do desempenho da
função social, quem seriam aqueles que não cumprem tal tarefa, ou
que dedicam suas vidas a funções sociais não legitimadas pela
comunidade em que vivem? De certo o sentimento de identidade dessas
pessoas é afetado pela ideia funcionalista, que as reduziria àquilo
que não tem relevância ao todo, e que, portanto, deveria ser
refuncionalizado para pertencer ao grande organismo social.
Como uma peça quebrada ou uma célula doente, o indivíduo que não
cumpre satisfatoriamente o desempenho de seu papel social obstaculiza
o funcionamento equilibrado do meio em que está inserido. A grande
questão é se realmente existe tal equilíbrio, quando se trata das
relações humanas. A visão positivista da sociedade pressupõe o
alcance de uma harmonia em um contexto em que o conflito é
constante, por se tratar da vivência em conjunto de pessoas que
carregam singularidades infinitas.
Volto então à questão de que o
indivíduo não necessariamente se sente uma peça de uma engrenagem
ou a célula de um organismo. Mesmo aquele que dedica sua vida ao
cumprimento de suas funções sociais, e não pretende de forma
alguma subverter a isso, pois nisso reside sua satisfação pessoal,
ainda assim esse indivíduo não poderia ser reduzido a isso. E é
justamente esse fenômeno que, oriundo de uma interpretação
cartesiana do positivismo, colabora para uma visão míope do ser
humano acerca de si mesmo e do outro. Por muitas vezes não conseguir
se ver além do que representa ou deixa de representar à sociedade,
o indivíduo também reduz o outro a tais categorizações. Neste
processo, abandonam-se os caráteres de subjetividade humana, tais
como a afetividade, a empatia e a capacidade de reconhecer valores
humanos que transcendem as funções práticas.
As consequências do
enraizamento de tal ideologia na consciência coletiva se expressam
em um crescente medo do homem de estabelecer relações interpessoais
sólidas e genuínas, já que o aspecto da funcionalidade está
presente de maneira tão forte que é aterrorizante a ideia de se
mostrar ao outro além daquilo que se vê no desempenho de sua função
social. Além disso, existe uma insegurança própria de cada
indivíduo em relação àquilo que se é no que transcende ao
funcionalismo, ou seja, no que o torna de fato humano. Inseguro de si
e com medo do estabelecimento de uma proximidade que ameace mostrar
sua real personalidade, o sujeito tem cada vez mais facilidade em se
desvencilhar de pessoas que se apresentem “inúteis” ou
“desfuncionais” às suas vidas. Nisso reside a sociedade que
Zigmund Bauman chamaria de líquida,
ou seja, aquela incapaz de consolidar relações verdadeiras e
duradouras.
Assim, a
filosofia positiva, apesar de ter importância para o desenvolvimento
das ciências, mostra-se muito nociva ao caráter humanitário da
sociedade, e por isso sua potencialização caminha em contramão com
a real harmonia das relações humanas.
Carolina Juabre Camarinha.1º ano Direito matutino
Carolina Juabre Camarinha.1º ano Direito matutino
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