É possível definir ''Judicialização'' como a arbitrariedade do Judiciário em certas questões tradicionalmente delegadas aos poderes tradicionais. Para o Ministro do Supremo Tribunal Federal, Luís Roberto Barroso, ainda, esse fenômeno seria legítimo, uma vez que está previsto no desenho institucional esboçado pela Constituição de 1988, a qual valoriza a atividade do intérprete confiando-lhe a utilização dos conceitos abstratos colocados para promover a maior justiça social.
Essa ocorrência, portanto, é vista como algo natural e que busca responder às demandas de certos grupos que mobilizam o Direito. Ademais, Barroso também coloca que a Judicialização vem transformando a política em ciência jurídica, na medida em que o Poder Legislativo e o Poder Executivo ignoram questões polêmicas com receio de desagradar seu colégio eleitoral.
Observa-se, contudo, que não obstante a negligência por parte das outras esferas de poder, as reivindicações sociais não podem ser postas de lado. Nesse sentido, a judicialização ganha cada vez mais força conforme os indivíduos sentem seus direitos sendo corrompidos: um exemplo emblemático é o estabelecimento de cotas raciais no processo seletivo da Universidade de Brasília.
Por considerar preocupante o ínfimo número de negros que compunham seus cursos de graduação, a UnB decidiu, no início dos anos 2000, reservar 20% de suas vagas a esse público, o que o Partido Democratas considerou inconstitucional e entrou com uma medida para deslegitimar a ação da Universidade. Conforme ressaltado pelo DEM, a instituição de um Tribunal Racial para avaliar o fenótipo dos candidatos geraria um efeito discriminatório, constrangedor e sem qualquer tipo de embasamento científico que o sustentasse. Além disso, as cotas seriam injustas porque a falta de representatividade do povo negro na faculdade estaria muito mais ligada a condições socioeconômicas do que ao preconceito de cor de pele e isso feriria, dentre outras concepções, o princípio da igualdade previsto na Carta Magna brasileira.
Diante da questão colocada, o Supremo Tribunal Federal foi acionado e decidiu pela legitimação da ação adotada pela UnB, generalizando, ainda, que as cotas raciais constassem no processo seletivo das demais faculdades públicas do país. De acordo com uma hermenêutica valorativa da Constituição, os Ministros entenderam que isso estaria celebrando, e não contrariando, o princípio da igualdade por garantir que a população negra (que até então possuía uma presença quase inexistente dentro do espaço universitário) atingisse os cursos de ensino superior.
Fundamentando sua decisão, outrossim, a Suprema Corte lembrou que a Lei Maior visava por um sistema meritocrático, porém, como considerar que o vestibular atenderia esse princípio se estaria sempre favorecendo um grupo dominante em detrimento de outro marginalizado? Por isso, não bastaria não discriminar o negro, mas, seria preciso estabelecer medidas afirmativas que garantissem que a justiça social supracitada também o atingisse.
Têm-se, por conseguinte, uma importante atuação do Judiciário na questão. Critica esse fenômeno, entretanto, a docente alemã Ingeborg Maus, pois, para ela, o intenso fenômeno da Judicialização levaria uma ''infantilização'', já que um pequeno grupo estaria decidindo sobre fatos que atingiriam toda a estrutura da sociedade e os partidos políticos, assim, cada vez mais se eximiriam de cumprir o papel que lhes foi atribuído no sistema democrático. No entanto, como já foi colocado, conforme o Legislativo e o Executivo são vistos com desconfiança e deixam de realizar suas funções de modo satisfatório, cria-se uma lacuna no poder político em que o Terceiro Poder não tem opção se não ocupar. Através disso, portanto, o Judiciário faz jus ao seu encargo de servir como mediador e guardião da Constituição Federal, garantindo, dessa forma, a pacificação social da melhor maneira possível.
Maus, além disso, justifica que o Supremo Tribunal pode tentar implementar uma determinada conduta na sociedade através de suas decisões. Conclui-se, por outro lado, que no caso das cotas raciais, esse direcionamento foi positivo, uma vez que, ao auxiliar que negros ocupem mais cargos bem remunerados e de prestígio, o Judiciário está consequentemente garantindo que as próximas gerações de profissionais negros inspirarem um número incalculável de crianças brasileiras, ganhando mais representatividade e, por fim, contribuindo para a desconstrução de um preconceito histórico que estigmatiza esse grupo até os dias de hoje.
LÍVIA MARINHO GOTO - MATUTINO - TURMA XXXV
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