Ao
se traçar uma linha de raciocínio que coadune com o reconhecimento jurídico de
uniões estáveis em relações homoafetivas, deve-se levar em conta uma análise
aprofundada e cuidadosa dos tópicos da legislação brasileira que, seja no
âmbito do Direito Civil ou Constitucional, lidam com essa matéria, pois o
entendimento que se obtém a partir de uma pura interpretação literal da lei
entra em conflito com um dos mais sagrados elementos jurídicos do ordenamento
brasileiro: o conjunto de princípios constitucionais consolidados junto à carta
de 1988.
A equívoca conclusão que se obtém
sobre este tema a partir da mera literalidade na análise, mais especificamente,
do § 3º do artigo 226 da Constituição Federal e do artigo 1723 do Código Civil,
não satisfaz uma apropriada abordagem sobre o assunto. Pondera sobre tal
questão, ao menos no âmbito constitucional, o ministro do Supremo Tribunal
Federal, Gilmar Mendes, durante seu voto acerca do tema: “o fato de a Constituição proteger a
união estável entre homem e mulher não significa uma negativa de proteção à
união de pessoas do mesmo sexo”. Ou seja, a Lei Maior não seria, na visão do
Magistrado, exaustiva ao lidar com tal matéria.
Na
mesma ocasião, o também ministro do Supremo, Luiz Fux, argumentou acerca do
respeito aos já mencionados princípios constitucionais. A existência de
princípios como o da liberdade, da isonomia e da dignidade da pessoa humana
implicaria no inevitável resultado de se estender aquilo que se entende por
união estável às relações homoafetivas. Nesse âmbito, não haveria argumentação
que satisfatoriamente sustentasse o contrário, pois os princípios são claros. A
insistência no contrário a essas afirmações revelaria, inevitavelmente, uma
situação de intolerância.
Também
levando em consideração o conteúdo associado não só às leis que abordam essa
matéria, mas também dos princípios constitucionais, Marco Aurélio Melo, também
ministro da Suprema Corte, promove cuidadosa abordagem. O juiz traz à tona um
caso dos anos 50, que dizia respeito à descriminalização da homossexualidade na
Inglaterra, utilizando essa alusão para questionar a moral coletiva, que é vaga
e, por vezes, preconceituosa, além do Direito, que não pode se ver orientado
única e exclusivamente por essa moral.
Além disso, Marco Aurélio é
cuidadoso ao analisar aquilo que se define como família segundo a interpretação
das normas, situações e tendências jurídicas vinculadas à Carta de 1988. O próprio
advento da união estável é prova da necessidade de se trabalhar com a ideia de
que a concepção de família que predominou em tempos passados não mais é
conveniente ou apropriada, pois requisitos como o patrimônio e a reprodução
deram lugar a elementos como o carinho e a identidade, que passaram a
constituir os reais fatores caracterizadores da família. Por conclusão lógica,
aponta o magistrado que não existe razão para não se reconhecer as relações
homoafetivas como uniões estáveis, tendo em vista que ambas podem possuir tais
elementos caracterizadores
Ademais, o ministro ressalta ainda
um tópico particularmente marcante: a maneira como o não reconhecimento das
relações afetivas entre indivíduos do mesmo sexo como uniões estáveis ofende o
princípio da dignidade da pessoa humana. Entende-se que a busca por um ideal de família e sociedade,
pautado em preceitos puramente morais ou mesmo preconceituosos, toma tais
indivíduos como meros objetos a serem afastados, censurados, negligenciados ou
mesmo oprimidos na busca dos mencionados fins, o que caracteriza a ofensa: uma
instrumentalização do ser humano.
Higor Caike, 1º ano, Direito - Noturno
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