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quarta-feira, 25 de novembro de 2015

Judicialização: solução moderna legítima?

Vive-se sob o paradigma de que a divisão dos poderes, ou seja, a atribuição a órgãos distintos e especializados das funções estatais de legislar, administrar e julgar é a forma ideal de garantir a democracia e o respeito aos direitos fundamentais. No entanto, contrariando essa expectativa, atualmente, o Supremo Tribunal Federal tem desempenhado um papel ativo na vida institucional brasileira, consolidando a chamada “judicialização”. Essa centralidade do judiciário na tomada de decisões sobre algumas da grandes questões nacionais gera polêmicas e muitas dúvidas: a legitimidade democrática fica comprometida? O Judiciário possui capacidade institucional para decidir acerca de determinadas matérias? A divisão dos poderes é ignorada?

A fluidez da fronteira entre política e justiça no mundo contemporâneo, marcada pela transferência da decisão de questões políticas e sociais importantes das tradicionais instâncias políticas (Congresso Nacional e o Poder Executivo) para o Poder Judiciário torna-se nítida nas discussões sobre o reconhecimento como entidade familiar da união das pessoas de mesmo sexo. Para alguns juristas, o texto constitucional é taxativo ao dispor que a união estável é aquela formada por pessoas de sexos diversos. No entanto, outra corrente sustenta que o reconhecimento dos direitos oriundos de uniões homoafetivas encontra fundamento em todos os dispositivos constitucionais que estabelecem a proteção dos direitos fundamentais, no princípio da dignidade da pessoa humana, no princípio da igualdade e da não-discriminação, na proteção à segurança jurídica, bem como na noção de que família é caracterizada pelo amor, comunhão e identidade.

Segundo Barroso, a judicialização decorre do próprio modelo de Constituição analítica  e do sistema de controle de constitucionalidade abrangente adotados no Brasil.Isso equivale a afirmar que a judicialização não decorre da vontade do judiciário, mas sim do constituinte. Essa concepção justifica o papel central do judiciário na questão do reconhecimento da união homoafetiva:o judiciário foi provocado a se manifestar, ele decidiu porque era o que lhe cabia fazer, sem alternativa. Nesse ínterim, retoma-se à corrente que defende uma interpretação não reducionista do conceito de família, legitimando o papel do Judiciário na decisão acerca do reconhecimento da união homoafetiva: o objetivo constitucional é promover o bem de todos.

Nessa perspectiva, alguns juristas, entre eles Barroso, distinguem o conceito de judicialização de ativismo judicial. Enquanto o primeiro conceito decorre da própria constituição e permite que as discussões de largo alcance político e moral sejam trazidas sob a forma de ações judiciais, ativando a cidadania; o último termo expressa, com uma conotação pejorativa, a postura do intérprete, um modo proativo e expansivo de interpretar a Constituição, potencializando o sentido e alcance de suas normas, para ir além do legislador ordinário. Barroso  entende que no contexto de retração do Poder Legislativo, do distanciamento entre classe política e sociedade civil potencializa-se a judicialização, pois com o avanço do neoliberalismo e o afrouxamento das estruturas de direitos sociais, as demandas da sociedade foram canalizadas para o Judiciário, que tornou-se então o “muro das lamentações do mundo moderno”. Nessa óptica, percebemos que as demandas da minoria homossexual brasileira é uma expressão desse processo: a crise de representatividade, legitimidade e funcionalidade do legislativo prejudicou à  satisfação dessas necessidades, logo deslocou-se para o Judiciário a competência de impedir o sufocamento, o desprezo, a discriminação desse grupo.

Podemos afirmar que a centralidade do papel do judiciário na questão do reconhecimento da união homossexual é uma usurpação do poder, já que criaria uma espécie de “Constituição Paralela”, trazendo um risco à democracia? Ou, de forma oposta, isso permite uma concretização democrática e consolidação das garantias fundamentais, pois representa uma adaptação da visão normativa às necessidades do tempo, viabilizando o “modo de pensar do possível”, uma “teoria constitucional da tolerância”?. O Ministro Joaquim Barbosa parece inclinar-se para  segunda tendência ao sustentar que, pelo descompasso entre os mundos dos fatos e o universo do Direito, cabe ao Judiciário resolver as lacunas entre direitos e sociedade. Nisso se insere a ideia de Konrad Hesse: “o que não aparece de forma clara como conteúdo da Constituição é o que deve ser determinado mediante a incorporação da ‘realidade’ de cuja ordenação se trata”.

 Apesar das dúvidas que evolvem esse processo, das críticas e elogias à “politização da Justiça” fica claro, conforme aponta Barroso, que o Direito sempre terá uma vertente política no que tange à busca da justiça, da segurança, do bem-estar social. Porém, é perceptível também, que Direito não é ou, não deveria ser Política em relação à submissão da vontade de quem está no poder, não deveria tender ao facciocismo, à  valorização de uma maioria em detrimento das minorias. Em ambos os casos, a decisão pelo Judiciário acerca do reconhecimento da união homoafetiva nos trouxe lições  e ganhos importantes, ao derrubar o argumento da “dificuldade contramajoritária” desse órgão de poder, expressando que o Judiciário representa também a população sim, e, ao defender seus direitos, contribui para a construção democrática e preservação da cidadania.  

Em síntese, apesar das controvérsias que envolvem a “politização da Justiça” ou a “Judicialização da Política”, é inegável que esse processo possui uma força crescente no Brasil, é indubitável, também, que dele pode resultar ganhos democráticos, porém, o mais importante é perceber que isso se liga a uma questão mais ampla:  como o Direito legitimamente conseguirá acompanhar as mudanças da sociedade e as consequências resultantes disso? Ou como outrora Boaventura de Souza e Santos já salientava: “enfrentamos problemas modernos para os quais não há soluções modernas”.  Barroso se mostra sensível a esse problemática e sustenta que “precisamos de reforma política; e essa não pode ser feita por juízes”. Fica a questão: quem tem o papel legítimo de realizar a reforma política? quem tem o poder de buscar as soluções modernas? .

Victória Afonso Pastori
1º Ano- Direito Noturno

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