Bourdieu faz uma interpretação do
campo jurídico a partir da ideia de campus:
a sociedade se mantém como algo dinâmico através da ininterrupta luta simbólica
entre os campus. Estes são o campo cultural,
jurídico, político, etc, e que apesar de manterem certa autonomia um em relação
ao outro, conseguem forjar uma dinâmica normativa e engendrar uma luta
simbólica na qual buscam a consolidação da sua própria hegemonia. Da “Força do
Direito”, conclui-se que o campo jurídico engendra a vida social pois é ele que
estabelece as bases pelas quais essa vai operar, assim como também é feito por
ela.
Evita-se a ideia do formalismo e do
instrumentalismo do direito, de forma que esse não é uma força integralmente
autônoma diante das influências externas, assim como não é um instrumento a
serviço da classe dominante. A racionalização do direito envolve a ideia de
transformação da regularidade, que seria o que se faz regularmente, em regra,
ou seja, aquilo que se deve fazer. Esse fato impõe uma falsa ideia da
realidade, na qual todas as práticas consideradas “diferentes” passam a ser
consideradas desviantes. Assim, o estilo de vida simbolicamente dominante é
favorecido constantemente, e é dessa transformação que advém a força do
direito. Este é um instrumento de transformação das relações sociais.
Dentro do próprio campo jurídico há
uma concorrência, uma luta simbólica na qual os agentes capacitados lutam para impor
sua hegemonia. Os magistrados orientam o direito no sentido de uma adaptação
casuística, enquanto os juristas buscam uma elaboração teórica da doutrina que
enuncie o dever ser cientificamente. Bourdieu já defende a ideia da valorização
do capital dentro de um campo: quanto maior o acúmulo de capital, maior o poder
simbólico. Vale ressaltar que o antagonismo entre juristas e magistrados,
detentores de espécies diferentes de capital jurídico, não exclui a
complementaridade das suas funções.
Assim, as batalhas entre esses
detentores de diferentes capitas jurídicos se trava no campo judiciário, e é o
que se verifica no caso do aborto de anencéfalos. Os juristas estabelecem algo
e cabe aos magistrados a interpretação para a adaptação ao caso concreto. A interpretação
do corpo doutrinário opera a historicização das normas, ou seja, adapta as
fontes às circunstâncias novas. No momento que o judiciário autoriza a
interrupção da gestação de fetos anencéfalos está exercendo seu poder
simbólico. Este seu veredicto é produto da luta simbólica travada e adquire
assim eficácia simbólica.
Entretanto, vale ressaltar que esse
veredicto, por mais que represente uma certa autonomia do judiciário, ainda se
insere no “espaço dos possíveis”. As obras jurídicas estabelecem esse espaço e
assim delimitam a ação de interpretação dos magistrados, de modo que esses só
podem agir dentro de certos limites. É por isso que se diz que o judiciário
possui uma autonomia relativa, pois apesar desses veredictos representarem “criações”,
devem se enquadrar no âmbito de determinadas estruturas para que sejam aceitas
na sociedade e assim proliferem.
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