A ascensão do fascismo
social coincide com a queda do contrato social. Essa se dá devido a um período
de grande turbulência que afetou os pressupostos que dão base a esse contrato,
prejudicando o seu funcionamento.
Segundo o autor, o contrato
o social se construiu sobre os seguintes pressupostos: regime geral de valores,
um sistema geral de medidas e um tempo-espaço privilegiado, que se encontram em
crise. O regime geral de valores, devido ao fato de que os valores da
modernidade (igualdade, solidariedade, justiça, etc) são subjetivos a cada
pessoa, o que faz com que sejam trivializados. Já o sistema geral de medidas,
que são caracterizados principalmente pelo dinheiro e pela mercadoria, está em
constante oscilação. Enquanto que o tempo-espaço privilegiado está perdendo sua
atribuição devido à importância que os tempo-espaços locais têm adquirido, a
exemplo do cyber-espaço, a questão ecológica, indígena e da biodiversidade. O
desequilibro destes tem como consequência a fragilização do Contrato Social, já
que os novos vínculos sociais são instáveis. Disso decorre o ressurgimento da
desigualdade de poder entre as partes.
O predomínio dos processos de
exclusão sobre os de inclusão é a consequência mais latente dessa crise. E assume
duas formas: o Pós-contratualismo, onde grupos passam a ser excluídos, os menos
privilegiados chegam a atingir a condição de servos e os direitos fundamentais
acabam sendo confiscados; e o Pré-contratualismo, que impossibilita o acesso a
cidadania.
Por conseguinte a sociedade contemporânea
vive em permanente angústia, e a estabilidade só pode ser alcançada à custa das
expectativas alheias, dando força ao crescente Fascismo Social.
O Fascismo Social já não se
trata de um partido político. Atualmente se trata de um regime social, e tem
suas raízes na própria sociedade, não sendo fruto do estado. As sociedades
fascistas podem ser observadas no próprio meio social, existindo independentes
do Estado regulador.
O autor define quatro tipos
de Fascismo Social, mas trataremos do
Fascismo do Apartheid Social. Que, para o autor, se caracteriza pela
segregação de zonas da cidade consideradas marginalizadas. Temos então dois
tipos de zona: a civilizada, onde reina do Contrato Social; e a Selvagem, onde
se observa o Estado de Natureza de Hobbes. Colocando-as como pré-requisito para as
sociedades atuais.
O contraste entre essas é
notório e vai além da já dada definição, alcançando inclusive a ação do estado
em cada uma delas. Nas zonas civilizadas este atua como protetor, de forma
democrática e nos preceitos da constituição. E na selvagem, assume forma de
inimigo do cidadão, perdendo o respeito pelo estado de direito, a exemplo dos
ataques da polícia às favelas do Rio.
A formação dessas áreas
selvagens exclui grupos que antes estavam incluídos no contrato social, seus
direitos fundamentais são desconsiderados, e suas vidas se tornam cada vez mais
precárias. E nesses elementos se configuram os perigos do crescimento e
manutenção do Fascismo do Apartheid.
A teoria acima relatada é comprovada por
casos concretos e contemporâneos, principalmente quando se observa a segregação
física, oriunda do apartheid social.
A Vila Via do Metrô, uma comunidade
soteropolitana cujos moradores vivem na linha da pobreza, ilustra perfeitamente
essa segregação. Os índices alarmantes de violência e os serviços públicos
deficitários deste núcleo se contrapõem aos índices relativos aos dos “núcleos
de sociedade moderna”. Seus cidadãos –
se pudermos considerar que possuem o direito da cidadania – reclamam da
violência, das doenças de pele, da falta de água, de esgoto e de energia
elétrica e da inexistência de uma ponte adequada que evite seu isolamento
durante a época de chuvas. Além deste “ilhamento” da comunidade, a violência neste
local é alarmante, o que gera uma sensação de constante insegurança. São
cerceados assim, dos direitos fundamentais do homem, como por exemplo o direito
à segurança social e o direito de ir e vir.
Por haver uma segregação social dos
marginalizados e excluídos na divisão da cidade, tal exemplo pode ser incluído
no fascismo do apartheid social. Além do fator físico de segregação, há também
o fator social e o psicológico. Social porque o Estado atua como “predador e
inimigo do cidadão”, diferentemente do modo como atua em áreas “civilizadas”,
pois há uma estigmatização do “favelado” como prejudicial à sociedade. Psicológica porque, estando este indivíduo
alheio ao sistema (econômico), há uma sensação, por parte dele, de perda da
utilidade social, o que o segrega ainda mais do restante da sociedade. Estes
cidadãos, empurrados pelo “darwnismo social”, são conduzidos a se adaptarem a
certas situações, o que os levam, por exemplo, a ingressarem num subsistema da criminalidade
para garantir a sobrevivência.
Podemos considerar que o fascismo do apartheid
social causa um ciclo vicioso. A segregação entre a população carente e a
população dotada de recursos financeiros, gera uma segregação social da
primeira, pois o Estado acaba privando-a do acesso aos direitos de todo
cidadão. Devido à falta de recursos humanos e financeiros, oriundos desta
privação, estes indivíduos precisam se adaptar da maneira como podem, o que
pode gerar o aumento da marginalidade. Aumentando a marginalidade nestas áreas,
“as ‘zonas civilizadas’ se protegem da marginalização a partir de formas de
segregação”.
No entanto, o fascismo do apartheid social
não se restringe apenas à questão física da segregação, mas também pode
circular no âmbito cultural e sociológico. Analisando a proibição do uso dos
véus islâmicos em locais públicos na França, nota-se que esse caso se encaixa
neste tipo de fascismo, contudo, não se relaciona com a questão física de
segregação.
A
imposição de valores ocidentais sobre uma cultura muçulmana pode ser
considerada fascismo, principalmente por não abrir espaço para o relativismo
cultural, pregado Durkheim. A população feminina e muçulmana que vive em
território francês não ultrapassa 2 mil pessoas e, no entanto, nenhum referendo
foi realizado para saber qual seria a opinião destas pessoas acerca da
proibição. Retira-se a liberdade e o direito da mulher de portar a sua cultura
e o seus valores, incutindo-lhes valores que lhe são estranhos.
Esse fascismo, apesar de não constituir uma
barreira física, gera uma segregação em âmbito cultural, pois ressalta-se a
diferença entre duas culturas que não necessariamente precisam ser opostas ou
que apresentam valores opostos. A imposição de um valor ocidental numa cultura
muçulmana mostra o profundo abismo existente entre ambas as culturas, pois não
há atitudes compreensivas partindo de ambas as partes e, assim, elas não
conseguem se misturar e se complementar.
Logo, uma mulher que cobre o rosto com um véu
deve ser punida por ter valores e crenças contrários aos vigentes na sociedade
francesa. As culturas tem grande dificuldade em assimilar aquilo que é
diferente, sem notar que o que é diferente não é, necessariamente ruim. Assim,
a falta de compreensão entre culturas diferentes levam à segragação cultural, o
que por sua vez, leva ao fascismo do apartheid social.
Outra evidência do fascismo do apartheid
social pôde ser observada na vida do seringueiros na Amazônia.
O primeiro surto da borracha se deu entre
1879 e 1912, e veio sob a demanda das industrias norte-americanas e europeias. O
governo brasileiro, ao perceber a baixa produtividade dos índios obrigados a
trabalharem na extração do látex, passou a incentivar homens e imigrantes que
habitavam o nordeste brasileiro a irem aos seringais a serviço do país. As
centenas de nordestinos motivados por promessas de vida próspera chegaram nos
seringais para se encontrarem em
situação de semiescravidão. A condição de vida era precária. Por não existirem
médicos ou mesmo medicamentos acessíveis no seringal, muitos morriam de simples
resfriados. Mesmo que submetidos a jornadas de trabalho absurdas, o salário era
escasso e ilusório. Este se contrapunha aos preços altos dos artigos vendidos
nas Casas de Aviação (única fonte de mercadorias no seringal), então logo os
seringueiros eram obrigados a se endividar para obtenção de alimento e
vestimenta, se tornando cada vez mais presos ao seringal. A volta para a terra
natal tornava-se impossível. Além do endividamento pela compra de itens, os
seringueiros que iam à Amazônia “financiados” pelo governo não tardavam a
descobrir que aquele nunca existiu, eles deveriam arcar com os custos de seu
deslocamento e dos equipamentos necessários para o seu trabalho. A situação se repetiu durante o segundo surto
da borracha, que veio, após um período de inércia, com a segunda guerra
mundial. Com a diferença que os “soldados da borracha” se juntavam aos
seringueiros já existentes como proposta de não servir ao exército.
A situação se agravara nos período pós-surto,
que foram marcados pela suspensão nas atividades do seringal. A queda desses
foi causada, no primeiro, pelo declínio nas importações da indústria, no
segundo, pelo fim da guerra. Em ambas as ocasiões, a maioria dos seringalistas
passou a abandonar seus seringais e as famílias que lá viviam. Os seringueiros
se viam entregues à floresta, sem auxílio do governo ou acesso à qualquer tipo
de mercadoria. Ignorados pelo país e sua população.
É clara desde o princípio a posição do estado
de, nas palavras do autor, inimigo do cidadão. O contraste entre o capitalismo
emergente nas mãos dos seringalistas (a custa dos seringueiros), e o das
grandes industrias no exterior, e a sua cumplicidade com o apartheid. Fato não
raro na história mundial, à exemplo do apoio dos EUA ao apartheid na Africa,
incentivado por valores financeiros.
E além
dos já evidentes traços do fascismo do apartheid, este torna-se visível também
nos conflitos posteriores com fazendeiros, que buscavam se apropriar das terras
“abandonadas”, ocupadas pelos seringueiros. A proposição do autor quanto à
diferente atuação do estado nessas áreas é facilmente observada. Os
fazendeiros, ricos, eram vistos como civilizados e recebiam apoio do estado
protetor. Enquanto que os seringueiros, a área “selvagem”, eram tratado como
inimigos do estado, mesmo que tenham sido por eles submetidos à essa condição.
Conclui-se dessa maneira que o fascismo do
apartheid social está presente na atualidade e não se restringe somente à
questão física da segregação, mas também em âmbito social e cultural. As
barreiras geradas entre classes e culturas divergentes é um empecilho para o
desenvolvimento econômico e social. Frente aos exemplos abordados fica clara a
necessidade do estudo e combate ao fascismo do apartheid social.
1º Ano Noturno
Bruna de Oliveira Coghi
Marina Lima
Nicole Gouveia Martins Rodrigues
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