Todas as situações
provocadoras de discussões e de mudanças são fruto de choques entre as
diferenças. Em todas as esferas existentes, desde os campos sociais até os
campos psicológicos mais íntimos, há um embate de ideias e interesses que
expõem as diferenças e assim surge um cenário de reflexão que acarreta na
edificação de novos parâmetros. É um tanto como a
dialética de Marx: há a presença de uma tese e uma antítese, que ao serem
confrontadas resultam-se em uma nova síntese, tal síntese posteriormente irá
ser uma outra tese que terá uma outra antítese que resultará em uma nova
síntese e assim caminham os fatos históricos, a cultura social e até mesmo os aspectos
psicológicos individuais de cada pessoa. E é essa tal “luta dos
contrários” presente em todos os âmbitos humanos funciona
como um alicerce inicial para definir também o conceito de zonas de contato.
Boaventura aborda as zonas de contato como campos sociais em que diferentes
culturas jurídicas se defrontam de maneira em que uma das partes
sempre detém mais poder do que a outra.
Basicamente
as zonas de contato dependem de um choque de culturas. O conflito entre
estrangeiros do "terceiro mundo" e os europeus de extrema direita são
um dos melhores exemplos de tal conceito. Neste caso, há diferentes saberes e
diferentes organizações sociais de poder e normativas que se encontram e se
rejeitam, ou se assimilam dependendo da situação, porém, com uma nítida
predominância da vontade e da cultura europeia. Dentro dessa alternância entre
a rejeição e a assimilação, as zonas de contato são o ambiente propício para
a experimentação e inovação cultural e normativa, através do
reconhecimento das diferenças e não só do reconhecimento da igualdade.
Abordando
principalmente o reconhecimento das diferenças e a inovação cultural e
normativa que se dá entre os dois campos sociais, um dos tipos de sociabilidade
das zonas de contato é a convivialidade. Esta consiste na reconciliação voltada
para o futuro em que os embates do passado são resolvidos de maneira a tornar a
convivência pautada em trocas mais igualitárias com uma autoridade repartida.
Analisando a conjuntura atual e passada, é raro achar um embate entre culturas
que tenha chegado a convivialidade de fato, porém é possível encontrar diversas
situações em que a convivialidade se mostra como uma "meta"
necessária para que a sociedade continue a evoluir.
A
atual situação europeia é um bom exemplo de necessidade do estabelecimento da
convivialidade. Uma grande parcela do mercado de trabalho europeu
é constituída por estrangeiros, ao mesmo tempo, desponta os políticos de
extrema direita e com certo teor xenofóbico em seus discursos que
defendem políticas que diminuem o fluxo de imigração e um processo de
exclusão dos estrangeiros da participação política. Essa situação se encaixa
mais na violência do que na convivialidade, mas é partindo desse instante de
embate e confronto que surge a necessidade de uma reconciliação.
Pois apesar da economia europeia e a sua taxa de pessoas
empregadas não estarem totalmente recuperadas depois da crise de 2008 - ato que
gerou ainda mais repudia a vinda de estrangeiros, aumentando a ainda mais a
xenofobia já que os nativos iriam ter que brigar por condições financeiras e de
emprego com os “forasteiros” – vale lembrar que grande parte da Europa
está em um processo de envelhecimento da
população, e consequentemente de redução da população economicamente ativa, assim os estrangeiros se mostram como um novo alicerce
da economia e da sociedade de vários países. Sendo assim, a aceitação dos estrangeiros
e de seus costumes não seria uma corrupção da
"integridade europeia", mas uma forma de estabelecer
uma convivência harmônica que beneficiaria a todos.
Pensando
em estabelecer relações benéficas, o Brasil também precisa alcançar a
convivialidade de fato. Gostamos de fingir que somos um país que soma as
diferenças e e vive harmoniosamente. No entanto, é fácil dizer que está tudo em
paz quando a discriminação não atinge quem prega a existência da harmonia
cultural brasileira. Esse país foi edificado através da interação de várias
culturas, uma zona de contato entre japoneses, alemães,
portugueses, italianos, chineses, espanhóis e outros tanto em que a
pluralidade foi a força geradora de cada canto brasileiro, e é justamente por
isso que cada variedade cultural brasileira deveria ser valorizada igual. No entanto, o que vemos? Principalmente em locais
economicamente mais fortes como o Estado de São Paulo há um caracterização do nordestino
e do sertanejo, chamando-os de preguiçoso, indolente. Não bastando, muitos
afirmam que “a região Sul e Sudeste deveriam se separar das outras regiões, só
assim é que de fato deslanchariam economicamente”, esquecem, entretanto, que
além das regiões Centro-Oeste, Norte e Nordeste serem fundamentais para o
crescimento econômico, elas enriquem também o nosso acervo cultural.
Por fim, vale algumas perguntas: até quando
continuaremos engolindo e despejando os discursos de revistas aristocráticas e
preconceituosas? Qual seria a razão da existência de um dia para se refletir a
consciência negra? Até quando deixaremos de zelar pela "integridade
europeia" que não é nossa e sermos subversientes a
uma cultura de imperialismo vertical e horizontal? Quando é que vamos
efetivar a reconciliação entre os alicerces brasileiros e promover uma
sociabilidade pautada em trocas iguais?
Ana Maria Nasciutti
Fernanda Marcondes
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