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sexta-feira, 23 de novembro de 2012

Convivialidade, entre o possível e o necessário


Todas as situações provocadoras de discussões e de mudanças são fruto de choques entre as diferenças. Em todas as esferas existentes, desde os campos sociais até os campos psicológicos mais íntimos, há um embate de ideias e interesses que expõem as diferenças e assim surge um cenário de reflexão que acarreta na edificação de novos parâmetros. É um tanto como a dialética de Marx: há a presença de uma tese e uma antítese, que ao serem confrontadas resultam-se em uma nova síntese, tal síntese posteriormente irá ser uma outra tese que terá uma outra antítese que resultará em uma nova síntese e assim caminham os fatos históricos, a cultura social e até mesmo os aspectos psicológicos individuais de cada pessoa. E é essa tal “luta dos contrários” presente em todos os âmbitos humanos funciona como um alicerce inicial para definir também o conceito de zonas de contato. Boaventura aborda as zonas de contato como campos sociais em que diferentes culturas jurídicas se defrontam de maneira em que uma das partes sempre detém mais poder do que a outra.
Basicamente as zonas de contato dependem de um choque de culturas. O conflito entre estrangeiros do "terceiro mundo" e os europeus de extrema direita são um dos melhores exemplos de tal conceito. Neste caso, há diferentes saberes e diferentes organizações sociais de poder e normativas que se encontram e se rejeitam, ou se assimilam dependendo da situação, porém, com uma nítida predominância da vontade e da cultura europeia. Dentro dessa alternância entre a rejeição e a assimilação, as zonas de contato são o ambiente propício para a experimentação e inovação cultural e normativa, através do reconhecimento das diferenças e não só do reconhecimento da igualdade.
Abordando principalmente o reconhecimento das diferenças e a inovação cultural e normativa que se dá entre os dois campos sociais, um dos tipos de sociabilidade das zonas de contato é a convivialidade. Esta consiste na reconciliação voltada para o futuro em que os embates do passado são resolvidos de maneira a tornar a convivência pautada em trocas mais igualitárias com uma autoridade repartida. Analisando a conjuntura atual e passada, é raro achar um embate entre culturas que tenha chegado a convivialidade de fato, porém é possível encontrar diversas situações em que a convivialidade se mostra como uma "meta" necessária para que a sociedade continue a evoluir. 
A atual situação europeia é um bom exemplo de necessidade do estabelecimento da convivialidade.  Uma grande parcela do mercado de trabalho europeu é constituída por estrangeiros, ao mesmo tempo, desponta os políticos de extrema direita e com certo teor xenofóbico em seus discursos que defendem políticas que diminuem o fluxo de imigração e um processo de exclusão dos estrangeiros da participação política. Essa situação se encaixa mais na violência do que na convivialidade, mas é partindo desse instante de embate e confronto que surge a necessidade de uma reconciliação.
Pois apesar da economia europeia e a sua taxa de pessoas empregadas não estarem totalmente recuperadas depois da crise de 2008 - ato que gerou ainda mais repudia a vinda de estrangeiros, aumentando a ainda mais a xenofobia já que os nativos iriam ter que brigar por condições financeiras e de emprego com os “forasteiros” – vale lembrar que grande parte da Europa está em um processo de envelhecimento da população, e consequentemente de redução da população economicamente ativa, assim os estrangeiros se mostram como um novo alicerce da economia e da sociedade de vários países. Sendo assim, a aceitação dos estrangeiros e de seus costumes não seria uma corrupção da "integridade europeia", mas uma forma de estabelecer uma convivência harmônica que beneficiaria a todos. 
Pensando em estabelecer relações benéficas, o Brasil também precisa alcançar a convivialidade de fato. Gostamos de fingir que somos um país que soma as diferenças e e vive harmoniosamente. No entanto, é fácil dizer que está tudo em paz quando a discriminação não atinge quem prega a existência da harmonia cultural brasileira. Esse país foi edificado através da interação de várias culturas, uma zona de contato entre japoneses, alemães, portugueses, italianos, chineses, espanhóis e outros tanto em que a pluralidade foi a força geradora de cada canto brasileiro, e é justamente por isso que cada variedade cultural brasileira deveria ser valorizada igual. No entanto, o que vemos? Principalmente em locais economicamente mais fortes como o Estado de São Paulo há um caracterização do nordestino e do sertanejo, chamando-os de preguiçoso, indolente. Não bastando, muitos afirmam que “a região Sul e Sudeste deveriam se separar das outras regiões, só assim é que de fato deslanchariam economicamente”, esquecem, entretanto, que além das regiões Centro-Oeste, Norte e Nordeste serem fundamentais para o crescimento econômico, elas enriquem também o nosso acervo cultural.
Por fim, vale algumas perguntas: até quando continuaremos engolindo e despejando os discursos de revistas aristocráticas e preconceituosas? Qual seria a razão da existência de um dia para se refletir a consciência negra? Até quando deixaremos de zelar pela "integridade europeia" que não é nossa e sermos subversientes a uma cultura de imperialismo vertical e horizontal? Quando é que vamos efetivar a reconciliação entre os alicerces brasileiros e promover uma sociabilidade pautada em trocas iguais? 
Ana Maria Nasciutti
Fernanda Marcondes

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