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sexta-feira, 23 de novembro de 2012

O Direito nas Zonas de Contato: A Reconciliação

Boaventura Sousa Santos, em seu estudo sobre o direito emancipatório, discorre sobre a ciência jurídica nas zonas de contato. Primeiramente, o autor explica que “zonas de contato são campos sociais em que diferentes mundos da vida normativos se encontram e defrontam.” (SANTOS, 2003, p.43) Nessas regiões, as lutas cosmopolitas são constantes, principalmente devido às divergências culturais, sociais e jurídicas que são coagidas à convivência. Boaventura se ocupa em seu texto, principalmente, das “diferentes culturas jurídicas que se defrontam de modos altamente assimétricos” (Idem), como, por exemplo, os povos indígenas que se envolvem em um conflito com a cultura nacional predominante. É de suma importância evidenciar que, embora os conflitos sejam constantes, as zonas de contato são “propícias às experimentação e à inovação cultural e normativa.” (Idem, p. 44)
            O embate travado nas zonas de contato não é o direito pela igualdade, uma vez que tal conceito é relativo de acordo com as culturas envolvidas, mas sim uma luta pluralista pela igualdade transcultural, ou seja, intercultural. Nesta igualdade insere-se a possibilidade da decisão dos grupos de preservarem-se em relação ao outro, ou de misturarem formando uma cultura híbrida.
            Ainda tratando das diferenças nas zonas de contato, Boaventura cita o grande contraste entre a legalidade demoliberal e a legalidade cosmopolita. Para ele, a diferença está nítida nos quatro tipos de sociabilidade, dentre eles: a violência, a coexistência, a convivialidade e a reconciliação. A violência ocorre quando a cultura dominante assume o controle total da zona de contato, suprimindo a cultura subalterna. A coexistência permite que diferentes culturas se desenvolvam em um mesmo local, sendo as interpenetrações desincentivadas, quando não proibidas. A convivialidade, que se relaciona com a reconciliação, é a resolução dos conflitos do passando, visando a partilha da autoridade em um momento futuro. Já a reconciliação, de acordo com Boaventura, “é o tipo da sociabilidade baseada na justiça restauradora, no sanar de antigas ofensas e agravos.” Ao contrário da convivialidade, Barbosa afirma que a reconciliação é mais voltada para o passado do que para o futuro, fazendo com que tal característica permita que os conflitos do poder passados venham a se repetir no futuro sob outra máscara. “Quando se opta pela reconciliação, chega-se a um acordo voltado para o passado e que, por meio de contrapartidas (monetárias ou outras), faz algumas concessões ao saber indígena/tradicional sem deixar de confirmar os interesses prevalecentes do conhecimento biotecnológico.” (Idem, p. 51)
            Na prática, é possível identificar diversas situações em que a reconciliação se fez presente. Na África do Sul, por exemplo, a instauração de uma Comissão da Verdade e Reconciliação após a solidificação da democracia não visa desprezar os efeitos da lei da Anistia, mas apenas reparar os danos sofridos por seus cidadãos. O país passou por uma experiência ditatorial entre os anos de 1948 e 1988, quando o Partido Nacional impôs o regime do apartheid, cada vez mais repressivo, segregando negros e brancos. Com a transição democrática, o novo governo alegou ser necessária a concessão da anistia, “Mas qualquer arranjo para anistia e indenizar, sem uma obrigação paralela de revelar a natureza dos crimes perpetrados, teria graves implicações para a reconciliação nacional de longo prazo.” (CINTRA, 2001, p. 7) Ao conceder-se a anistia, as responsabilidades civil e criminal da pessoa ficaram extintas, não podendo mais ser processada pelas vítimas: o Estado assumiu a responsabilidade das reparações e assistências prestadas às vítimas. Buscou-se, então, a partir da Comissão da Verdade e Reconciliação, determinar os abusos e crimes contra os direitos humanos do regime anterior e, também, a reabilitação das vítimas e a reparação da maioria dos danos sofridos. A instauração de tal comissão foi de extrema importância para a consolidação da democracia, “a prioridade é a consolidação de um governo democrático, capaz de promover os direitos humanos, sobretudo numa situação como a da África do Sul, de transição pactuada, em que o governo permanece dependente de muitas das antigas instituições.” (Idem, p. 10)
            Além desse exemplo, é possível citar a Austrália: em 2007, o Senado Federal da Austrália em conjunto com o governo do Estado da Tasmânia demonstraram a intenção e tomaram medidas para a criação de um Tribunal de Reparações, responsável pela reconciliação com os povos Aborígines e Insulares do Estreito de Torres (ATSI), que, no século 20, foram separados de suas famílias e comunidade em decorrência de políticas do próprio Estado de remoção forçada. “Uma Comissão de Verdade e Reconciliação traz vários benefícios, com audiências simultâneas em cada estado ou território, tendo como comissários membros das comunidades indígenas e não-indígenas. Ela significará um afastamento positivo dos modelos contenciosos até agora mal sucedidos. Além disso, deve-se anexar um Programa de Reparações às Comissões de Verdade e Reconciliação e conceder compensações de forma coerente, nas quantias recomendadas pela Lei Tasmaniana e pela lei de Compensação. (VIJEYARASA, 2007)
            Analisando o estudo de Boaventura e os exemplos supracitados, infere-se que as Comissões de Verdade e Reconciliação são fundamentais para a equiparação de direitos nas zonas de contato e concessão de reparação aos vitimados, seja por políticas estatais ou de grupos dominantes. Ao longo de sua obra, o autor afirma que a reconciliação é puramente voltada para o passado, porém não se pode negar que a sua realização gera efeitos futuros, capazes de consolidar um sistema pacífico nas zonas de contato envolvidas.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

BRASIL. Câmara dos Deputados. Consultoria Legislativa. Consultor: Antônio Octavio Cintra.  As Comissões de Verdade e Reconciliação: O caso da África do Sul. Fevereiro de 2001.  Disponível em: < http://bd.camara.gov.br/bd/bitstream/handle/bdcamara/2231/comissoes_verdade_cintra.pdf?sequence=1> Data de acesso: 6 de novembro de 2012

SANTOS, Boaventura de Sousa. Poderá o direito ser emancipatório?. Revista Críticas de Ciências Sociais, 65, Maio 2003: 3-76.

VIJEYARASA, Ramona. Verdade e reconciliação para as “gerações roubadas”: revisitando a história da Austrália. Sur Revista Internacional de Direitos Humanos, São Paulo, vol. 4, nº 7. 2007. Disponível em: < http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1806-64452007000200006&tlng=> Data de acesso: 6 de novembro de 2012

GRUPO: diurno
Isabela Risso da Silva
Lívia Regina Gonçalves Sbroggio
Maria Cláudia Silva Cardin

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