Apesar dos esforços de Weber por uma racionalização da sociedade, o que incluiria a esfera do direito, muito ainda se vê no sentido contrário. Weber tenta em seu texto, separar a esfera pública do direito de sua esfera privada, no caminho de uma sistematização racional. No entanto, essa questão, ainda hoje não resolvida, e ainda hoje polêmica, pode ser claramente exemplificada em algumas situações cotidianas.
Quando tratamos, especificamente, do tema da invasão da esfera privada pela esfera pública, um dos países que não incorre na falta de exemplos dessa situação é Cuba. Fernando Morais em seu livro “A Ilha” deixa isso bem claro. A partir de sua análise, podemos entender o quão invasiva a esfera pública era (e ainda é, tendo em vista que pouco se alterou em Cuba desde essa época) sobre a esfera privada no momento do lançamento do livro de Morais, em 1976.
Abaixo seguem alguns trechos do livro, que deixam bem claros os limites impostos à esfera privada, principalmente no que concerne à liberdade de cada um, em especial à liberdade de opinião.
“A escola experimental conjugava dois fatores considerados fundamentais no país: o desenvolvimento do homem voltado para o campo, e a instituição de uma educação de modelo socialista (...). Uma rápida olhada no programa do curso deixa entrever um tópico em que se estabelecem comparações entre as sociedades capitalista e socialista, com destaque para as ‘degradações morais provocadas pelo capitalismo no ser humano’.”
“Durante o curso universitário, repete-se o critério adotado no ensino médio, e o estudante permanece no regime de trabalho-estudo, desde o primeiro ano. Numa espécie de estágio, o universitário é obrigado a dar meio período num centro de trabalho ligado à sua carreira: os futuros médicos em hospitais, os engenheiros em indústrias, os agrônomos no campo. Terminado o curso, o estudante é destacado pelo Ministério do Trabalho (que, em contato com o Ministério da Educação, sabe para onde se dirigirá profissionalmente toda a população estudantil, depois de formada) para trabalhar onde o Estado estiver mais necessitado. Estudantes das universidades de Havana e Oriente disseram que o desejo do recém-formado de trabalhar neste ou naquele lugar, geralmente é respeitado. O que não impede, em casos mais raros, que alguém queira permanecer em Havana, por exemplo, e tenha que se mudar para outra província, onde sua especialização seja considerada mais necessária.”
“O Estado respeita os direitos individuais, mas já domina cerca de 96% do PNB, o que inclui o Banco Nacional, todas as indústrias, quase todos os táxis, os restaurantes, os hotéis, as bancas de jornais, os cinemas, os teatros.”
“Embora não se permita a exibição de filmes considerados "contra-revolucionários", não há restrição quanto à origem dos filmes: adquiridos de distribuidores europeus, chegam a Cuba filmes americanos, brasileiros e de qualquer outro país participante do bloqueio econômico (em março de 1975, por exemplo, Havana tinha os muros cobertos de cartazes anunciando a exibição de São Bernardo, do brasileiro Leon Hirzmann).”
“Os três canais de televisão de Cuba apresentam todos os dias, pelo menos um documentário produzido na Europa Oriental. Dois telejornais — um às 12 e outro às 19 horas — apresentam noticiário nacional e internacional. A televisão cubana só entra em cadeia nacional para Fidel falar ou para transmitir uma partida importante de baseball (lá chamado de pelota), o esporte nacional.”
“Cada pessoa tem direito a comprar três pares de sapatos por ano. Os homens têm uma quota anual de dois ternos e as mulheres de dez metros quadrados de tecido para vestidos. Nenhum desses produtos, entretanto, é anunciado em Cuba. Os out-door onde antigamente eram colados cartazes de publicidade foram multiplicados no país e transformados em veículos só de propaganda política e de estímulo à produção agrícola e industrial. A "agência de propaganda" do Estado é o DOR — Departamento de Orientação Revolucionária, responsável pela criação da propaganda oficial.”
“Um grupo vive de rendas mensais de aproximadamente 500 pesos (cerca de 4.500 cruzeiros). São os antigos proprietários de casas alugadas, que recebem essa quantia do Estado, a título de indenização. A lei da reforma urbana, uma das primeiras baixadas pelo novo regime, determinou que todo mundo passava a ser dono da casa em que vivia. Quem tivesse, além da casa em que morava, um imóvel a mais, perderia a segunda propriedade e receberia do governo 500 pesos mensais, em caráter vitalício e não hereditário. Os proprietários de mais de dois imóveis eram simplesmente expropriados, a partir do segundo imóvel, sem direito à indenização.”
“Quando perguntei a um influente jornalista cubano se lá existe liberdade de imprensa, ele deu uma gargalhada e respondeu: ‘Claro que não’. E completou, com naturalidade: ‘Liberdade de imprensa é apenas um eufemismo burguês.”
“O CDR, cujas ramificações se estendem por todo o país, a nível de quadra, passou a assumir também outras funções, como, por exemplo, auxiliar o Estado na solução de problemas sociais. (...). Depois de visitar Cuba, o senador americano Jacob Javits (republicano de Nova York) declarou à imprensa que se surpreendera com a absoluta ausência de policiamento ostensivo nas ruas. Realmente só se vêem os guardas de trânsito, circulando pelas cidades montados em possantes motos italianas Guzzi-850. Acontece que nada ocorre no país, nem na mais remota aldeia, sem que um membro do CDR tome conhecimento. Funcionando como uma espécie de síndico da quadra, o presidente do CDR (normalmente um aposentado ou uma dona de casa) passa o dia atento para algum eventual desocupado da vizinhança (em Cuba há uma lei contra a vadiagem que é efetivamente aplicada e que pode condenar o acusado até a dois anos de prisão) ou mesmo cuidando para que as crianças não faltem à aula. Sem nunca desviar os olhos dos possíveis contra-revolucionários — cada vez mais raros. (...). Em cada quadra o presidente é eleito por todos os moradores de mais de 14 anos, e passa a ser o responsável pela vigilância de cem metros de rua, nas duas calçadas. Cada grupo de 20 quadras constitui uma zona, chefiada por um coordenador. Na região rural do país, o limite de cada CDR é determinado por agrupamentos de casas, já que não existem quadras.”
Reprodução da fala de um cubano: “Matar Fidel? Essa seria a última coisa a acontecer em nosso país. O CDR está aí, em toda parte. Está aqui nesta mesa, conversando com você. A menor manifestação da reação é esmagada no berço. Um reacionário não anda cem metros em Cuba sem ser apanhado.”
E por fim: “A mão de Fidel está presente em quase tudo neste país.”
Com esses trechos fica bem claro que do mesmo modo que a esfera privada pode encobrir a pública, a pública pode, e muito, encobrir a privada. No entanto, quando analisamos a situação de alguns setores em Cuba e constatamos sua prosperidade, surgem questionamentos sobre até que ponto o equilíbrio entre o público e o privado é útil, e sobre como deveria ser determinado esse equilíbrio, já que a racionalização da sociedade é útil apenas quando se converte em uso real para essa sociedade, do contrário, de nada adiantaria.
Quando tratamos, especificamente, do tema da invasão da esfera privada pela esfera pública, um dos países que não incorre na falta de exemplos dessa situação é Cuba. Fernando Morais em seu livro “A Ilha” deixa isso bem claro. A partir de sua análise, podemos entender o quão invasiva a esfera pública era (e ainda é, tendo em vista que pouco se alterou em Cuba desde essa época) sobre a esfera privada no momento do lançamento do livro de Morais, em 1976.
Abaixo seguem alguns trechos do livro, que deixam bem claros os limites impostos à esfera privada, principalmente no que concerne à liberdade de cada um, em especial à liberdade de opinião.
“A escola experimental conjugava dois fatores considerados fundamentais no país: o desenvolvimento do homem voltado para o campo, e a instituição de uma educação de modelo socialista (...). Uma rápida olhada no programa do curso deixa entrever um tópico em que se estabelecem comparações entre as sociedades capitalista e socialista, com destaque para as ‘degradações morais provocadas pelo capitalismo no ser humano’.”
“Durante o curso universitário, repete-se o critério adotado no ensino médio, e o estudante permanece no regime de trabalho-estudo, desde o primeiro ano. Numa espécie de estágio, o universitário é obrigado a dar meio período num centro de trabalho ligado à sua carreira: os futuros médicos em hospitais, os engenheiros em indústrias, os agrônomos no campo. Terminado o curso, o estudante é destacado pelo Ministério do Trabalho (que, em contato com o Ministério da Educação, sabe para onde se dirigirá profissionalmente toda a população estudantil, depois de formada) para trabalhar onde o Estado estiver mais necessitado. Estudantes das universidades de Havana e Oriente disseram que o desejo do recém-formado de trabalhar neste ou naquele lugar, geralmente é respeitado. O que não impede, em casos mais raros, que alguém queira permanecer em Havana, por exemplo, e tenha que se mudar para outra província, onde sua especialização seja considerada mais necessária.”
“O Estado respeita os direitos individuais, mas já domina cerca de 96% do PNB, o que inclui o Banco Nacional, todas as indústrias, quase todos os táxis, os restaurantes, os hotéis, as bancas de jornais, os cinemas, os teatros.”
“Embora não se permita a exibição de filmes considerados "contra-revolucionários", não há restrição quanto à origem dos filmes: adquiridos de distribuidores europeus, chegam a Cuba filmes americanos, brasileiros e de qualquer outro país participante do bloqueio econômico (em março de 1975, por exemplo, Havana tinha os muros cobertos de cartazes anunciando a exibição de São Bernardo, do brasileiro Leon Hirzmann).”
“Os três canais de televisão de Cuba apresentam todos os dias, pelo menos um documentário produzido na Europa Oriental. Dois telejornais — um às 12 e outro às 19 horas — apresentam noticiário nacional e internacional. A televisão cubana só entra em cadeia nacional para Fidel falar ou para transmitir uma partida importante de baseball (lá chamado de pelota), o esporte nacional.”
“Cada pessoa tem direito a comprar três pares de sapatos por ano. Os homens têm uma quota anual de dois ternos e as mulheres de dez metros quadrados de tecido para vestidos. Nenhum desses produtos, entretanto, é anunciado em Cuba. Os out-door onde antigamente eram colados cartazes de publicidade foram multiplicados no país e transformados em veículos só de propaganda política e de estímulo à produção agrícola e industrial. A "agência de propaganda" do Estado é o DOR — Departamento de Orientação Revolucionária, responsável pela criação da propaganda oficial.”
“Um grupo vive de rendas mensais de aproximadamente 500 pesos (cerca de 4.500 cruzeiros). São os antigos proprietários de casas alugadas, que recebem essa quantia do Estado, a título de indenização. A lei da reforma urbana, uma das primeiras baixadas pelo novo regime, determinou que todo mundo passava a ser dono da casa em que vivia. Quem tivesse, além da casa em que morava, um imóvel a mais, perderia a segunda propriedade e receberia do governo 500 pesos mensais, em caráter vitalício e não hereditário. Os proprietários de mais de dois imóveis eram simplesmente expropriados, a partir do segundo imóvel, sem direito à indenização.”
“Quando perguntei a um influente jornalista cubano se lá existe liberdade de imprensa, ele deu uma gargalhada e respondeu: ‘Claro que não’. E completou, com naturalidade: ‘Liberdade de imprensa é apenas um eufemismo burguês.”
“O CDR, cujas ramificações se estendem por todo o país, a nível de quadra, passou a assumir também outras funções, como, por exemplo, auxiliar o Estado na solução de problemas sociais. (...). Depois de visitar Cuba, o senador americano Jacob Javits (republicano de Nova York) declarou à imprensa que se surpreendera com a absoluta ausência de policiamento ostensivo nas ruas. Realmente só se vêem os guardas de trânsito, circulando pelas cidades montados em possantes motos italianas Guzzi-850. Acontece que nada ocorre no país, nem na mais remota aldeia, sem que um membro do CDR tome conhecimento. Funcionando como uma espécie de síndico da quadra, o presidente do CDR (normalmente um aposentado ou uma dona de casa) passa o dia atento para algum eventual desocupado da vizinhança (em Cuba há uma lei contra a vadiagem que é efetivamente aplicada e que pode condenar o acusado até a dois anos de prisão) ou mesmo cuidando para que as crianças não faltem à aula. Sem nunca desviar os olhos dos possíveis contra-revolucionários — cada vez mais raros. (...). Em cada quadra o presidente é eleito por todos os moradores de mais de 14 anos, e passa a ser o responsável pela vigilância de cem metros de rua, nas duas calçadas. Cada grupo de 20 quadras constitui uma zona, chefiada por um coordenador. Na região rural do país, o limite de cada CDR é determinado por agrupamentos de casas, já que não existem quadras.”
Reprodução da fala de um cubano: “Matar Fidel? Essa seria a última coisa a acontecer em nosso país. O CDR está aí, em toda parte. Está aqui nesta mesa, conversando com você. A menor manifestação da reação é esmagada no berço. Um reacionário não anda cem metros em Cuba sem ser apanhado.”
E por fim: “A mão de Fidel está presente em quase tudo neste país.”
Com esses trechos fica bem claro que do mesmo modo que a esfera privada pode encobrir a pública, a pública pode, e muito, encobrir a privada. No entanto, quando analisamos a situação de alguns setores em Cuba e constatamos sua prosperidade, surgem questionamentos sobre até que ponto o equilíbrio entre o público e o privado é útil, e sobre como deveria ser determinado esse equilíbrio, já que a racionalização da sociedade é útil apenas quando se converte em uso real para essa sociedade, do contrário, de nada adiantaria.
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