A verdade para os gregos e para os escolásticos poderia ser resumida como: a adequação do intelecto à coisa. Assim, compreende-se que tal coisa está presente no imaginário e a sua representação se encontra no mundo, ou seja, se de fato existe uma representação concreta daquilo que está no intelecto, sendo ela perceptível pelos nossos sentidos, essa seria a consideração da verdade.
Com a busca da prioridade da mente, René faz um distanciamento dessa correlação do imaginário com a natureza e se aproxima das questões científicas, aplicando o método científico para não se prender apenas à verdade explícita, mas buscando sempre uma certeza. Porquanto, só se pode ter certeza daquilo que seria provado através do método, dando a entender que o alcance pleno da razão pode ser naturalmente igual a todos os homens, desde que se utilize essa fórmula.
O seu método era composto por sempre manter a dúvida. Nunca considerar algo como verdadeiro ou imutável, evitando a pressa e as informações confusas e obscuras, juntamente com uma análise minuciosa de qualquer situação, a qual pode possuir diversas nuances, sendo cada uma delas relevante para seu entendimento. Por exemplo, qual seria a verdade por trás de uma ideologia? Ou até mesmo, o quão forte seriam as reações químicas em nosso sistema nervoso por trás dessa ideologia?
Diante do cenário contemporâneo, marcado por avanços tecnológicos e mudanças sociais, é intrigante observar como certas ideologias extremistas se manifestam de maneiras inesperadas. Após mais de 400 anos desde a existência do filósofo francês, nos deparamos com notícias de idealizadores partidários da extrema-direita, onde acreditam fielmente que seres vizinhos do planeta terra, - ou de outro sistema solar - poderiam cooperar com o golpe de Estado enquanto acampavam em frente ao QG do exército de suas respectivas cidades.
É crucial, portanto, compreender o que seria uma ideologia diante dessa perspectiva. As ideologias são crenças, sistema de valores e princípios que moldam a maneira de interpretar o mundo de um indivíduo, essa verdade surge da capacidade interpretativa e normativa de interação com a realidade, nunca fundamentada, nunca capaz de se chegar a uma certeza. Sendo ela legítima para justificativas de certos sistemas políticos, econômicos e sociais, podendo mobilizar indivíduos em torno de certas causas.
O coronel (e bolsonarista), Jorge Eduardo Naime, ex-comandante de Operações da Polícia Militar do Distrito Federal, afirmou que bolsonaristas acampados em frente ao quartel-general do Exército em Brasília “viviam em um mundo paralelo”. Indivíduos que estão sempre em busca dos seus ideais que trazem sensações relacionadas ao bem-estar e redução de conflitos internos, promovendo uma coerência e tranquilidade mental sempre relacionadas ao seu eu, deixando de lado a busca por uma certeza e nunca questionando as informações que lhes são apresentadas a todo momento por conta da tecnologia.
Segundo Wright Mills, “Não é apenas de informação que precisam - nesta Idade do Fato, a informação lhes domina com a frequência a atenção e esmaga a capacidade de assimilá-la. [...]”. “[...] O que precisam, e o que sentem precisar, é uma qualidade de espírito que lhes ajude a usar a informação e a desenvolver a razão, a fim de perceber, com lucidez, o que está ocorrendo no mundo e o que pode estar acontecendo dentro deles mesmos.” (p.11).
Sem ao menos a capacidade de discernimento que nos foi apresentada há 400 anos atrás e sem a disposição de encarar as dúvidas que causam o conflito interno de ideias e corroem o caráter desse indivíduo que se vê, idealizador de extraterrestres que cooperam especificamente para um partido político, demonstra um perigo eminente nessa sociedade apocalíptica que nem sequer se desprende do imaginário, mesmo sem tendo encontrar a existência dessas presunções na realidade concreta.
À luz do exposto, é necessário superar a superstição e preocupar-se com a ciência, que pode ser morosa, mas que traga bons resultados e não se fundamente apenas em verdades rasas. Deve-se buscar pela razão que pode vir da nossa realidade e não da ideologia humana. Para compreender o estado atual da sociedade, é necessária uma compreensão sociológica, ou seja, olhar para a Idade do Fato a fim de buscar pela ciência relacionada ao presente, ao passado e à própria natureza, mas que garante resultados que vão além do bem-estar de um único indivíduo preso às suas convicções.
‘’... mediante a qual, conhecendo a força e as ações do fogo, da água, do ar, dos astros, dos céus e de todos os outros corpos que nos cercam, tão claramente como conhecemos os vários ofícios de nossos artífices, poderíamos utilizá-los da mesma forma em todos os usos para os quais são próprios, e assim nos tornar como senhores e possuidores da natureza” (DM, p. 34-35) Érica Olivio
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