Total de visualizações de página (desde out/2009)

terça-feira, 23 de agosto de 2022

ADPF 54 diante de Boerdieu

    O sociólogo francês Pierre Bordieu trouxe conceitos importantes não só para o Direito em si, mas também para análise da sociedade em seus aspectos gerais através de diversas vias. Para ele, o campo jurídico exerce um poder simbólico dentro do espaço social, isto é, impõe autoridade mesmo sem uso da força. Dessa forma, esse objeto estaria ligado às diferentes classes que, envolvidas nessa luta simbólica, querem instituir uma significação para o mundo de acordo com seus próprios interesses. O habitus, por sua vez, viria como uma predisposição dos indivíduos a agirem de determinadas formas, seja pela classe que fazem parte, seja por conta dos variados campos pelos quais passaram durante a vida.

    Nesse sentido, Boerdieu acredita que o Direito deve ser entendido como força autônoma diante das pressões sociais e necessita de resistência perante o instrumentalismo, ou seja, não pode servir às classes dominantes, o que não se mostra muito presente na atualidade, já que o campo jurídico, ainda hoje, é bastante limitado por inúmeras questões socioculturais.

    Desse modo, é possível partir para uma análise da ADPF 54 perante os preceitos do sociólogo. A Ação procurou resolver a polêmica a respeito do aborto de fetos anencefálicos que, antes do julgamento, não encontrava uma uniformização de opiniões jurisprudenciais. Tal fato ocorre, pois, nesta situação, dois espaços possíveis, concepção famosa de Boerdieu, passaram por um entrave: o conservador e o progressista. Enquanto os conservadores utilizavam-se do habitus religioso, acreditando que possuíam uma opinião universal, os progressistas refutavam os valores tradicionais por meio de outro habitus, atuando de maneira subversiva e neutralizante e valorizando o direito da mulher sobre seu próprio corpo.

    Radicalizando a ideia dentro dessa circunstância, o poder simbólico é claramente utilizado pelos conservadores para tentar manter princípios morais que a sociedade perpetua rotineiramente. Por fim, após muitos conflitos diante de visões antagônicas da sociedade, o que prova que o Direito não está afastado dessa realidade, a medida foi aprovada e reiterou o conceito do Direito como estrutura em movimento perpétuo.

    Fica claro, desse modo, que decisões como essa devem ser comemoradas, já que são resultados de lutas sociais e preveem a necessidade de adaptação da norma de acordo com sua historicização, como já dito por Boerdieu; mas, também, é extremamente necessária uma análise a fundo das motivações de cada uma das partes que lutam pelo seu campo e defendem seu habitus em meio ao convívio social, a fim de transcender esses posicionamentos ultrapassados e começar a se respeitar mais as lutas feministas de longos anos.

 

Núbia Quaiato Bezerra, Direito noturno. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário