"Apologia ao estupro em trote da UNIFRAN" sob a ótica de Garapon
Antoine Garapon expôs, no sexto capítulo da obra "O Juiz e a Democracia", explicação e defesa da necessidade de expansão das influências do poder judiciário frente às demandas do terceiro milênio posterior a Cristo. Um caso concreto que exemplifica tal ampliação foi a sentença proferida pela juíza Adriana Gato Martins Bonemer acerca do destino do ex-aluno da UNIFRAN Matheus Gabriel Braia, acusado de misoginia. A situação é exemplo de uma dentre as várias demandas que, segundo Garapon, chegaram recentemente ao judiciário, e têm contribuído para inflar ainda mais as funções dele.
A aparição recente desse tipo de caso às cortes se dá, para o pensador, em razão de que documentos como a regulamentação do divórcio e a limitação da autoridade paterna sobre os filhos, na França, apareceram pela primeira vez em meados de 1890. Vale ressaltar que, no Brasil, palco de atuação de Bonemer, o primeiro saiu em 1977 e, o segundo, apenas em 1990. De qualquer forma, há, nos dois casos, elementos para se entender que, por muito tempo, uma moralidade ambígua e favorecedora do lado dominante encarregou-se de decidir o destino de grupos minoritários, que, uma vez cientes da presença escrita de certos direitos seus, não puderam mais abandonar a máquina judiciária, por mais que ela fosse morosa e que o magistrado, consciente da natureza caseira do conflito, tratasse-o com certo desprezo.
Acerca da demanda supramencionada, que nada tinha de caseira, consistia na exigência de que Braia pagasse quarenta salários mínimos ao Fundo Estadual de Interesses Difusos e Coletivos por ter entoado, no momento de um trote universitário, hino segundo o qual ele prometia abusar das calouras e elas respondiam que estariam à disposição sexual dos veteranos. É imprescindível perceber, nesse ponto, que o processo só se deu pelo que Tocqueville, citado por Garapon, chamou de "expansão da democracia", que fez das mulheres sujeitos de direito e que incomoda Bonemer, uma vez que ela alegou que "Apesar de vulgar e imoral, o discurso do requerido não causou ofensa à alegada coletividade das mulheres". Desse modo, fica nítida a diferença entre a previsão e a efetivação de um direito, uma vez que as pessoas do sexo feminino, apesar de tidas como iguais em relação aos pares masculinos pela Constituição Federal, cujo Art. 5° proíbe qualquer discriminação (inclusive de gênero), não foram respaldadas na sentença.
Garapon explica que o julgamento formal de questões outrora relativas à moral justifica-se pelo fato de que a sociedade evolui mais rápido do que o texto constitucional. No caso em questão, porém, a interpelação da juíza não sinaliza outro fenômeno que não a involução, pois enquanto a Constituição prevê o acima explicado, a funcionária pública atesta que "A inicial retrata bem a panfletagem feminista que (...) colaborou para a degradação moral que vivemos". Dessarte, basta observar essa sentença para entender que apesar de ocupar posição crucial na época em que se realizam os ditos garaponianos, Bonemer não agiu de acordo com as indicações do sociólogo, o que lesou não só a sociedade em que ela atua, mas também as adjascentes, porque membros delas puderam inspirar-se na incoerência da juíza.
Logo, enquanto Garapon esclareceu, em especial nas partes finais do capítulo analisado, que com o crescimento da autonomia do cidadão para recorrer ao judiciário se avolumou também a responsabilidade desse em proteger os desprovidos de independência plena, Bonemer agiu em prol daquele que, de modo deliberado, humilhou calouras. Essa decisão não é isolada, e mostra os perigos da aplicação parcial de teorias, porque, talvez, a impossibilidade pretérita de recorrer ao juiz fosse menos danosa que a situação contemporânea, de formalizar, através dos resultados de um processo, o aval para o machismo universitário. Se, no futuro, textos como esse seguirem a sair dos tribunais, talvez não reste nem mesmo espaço para que as meninas prestem vestibulares, e, nesse cenário, se verá o mesmo medievalismo de outrora, porém mais caro, mais envernizado e decorado com fantoches togados.
Maria Paula Aleixo Golrks - Direito matutino - 2° semestre
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