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sexta-feira, 17 de abril de 2020

LUXO


Com 50 milhões de mortos, a Peste Bubônica, no século XIV, devastou cerca de um terço da população entre a Europa e a Ásia, explicitando que, num cenário pós-cruzadista do final do feudalismo, tensionado pelos dogmas católicos e avanços dos ideais burgueses, a ciência começa a caminhar em passos maiores, uma vez que o comércio incipiente do início da Idade Moderna financiou saberes que levaram ao Renascimento Cultural, junto à recente imprensa - vide Guttenberg -. Isso colocou em xeque a hegemonia do pensamento teológico.
Após esse marco, outras epidemias surtiram pelo mundo, como a Varíola, o Sarampo, a Tuberculose, a Cólera, a Gripe Espanhola, o Tifo, a Febre Amarela e a Malária. Com isso, o papel de compreensão e cura pela ciência tornou-se fundamental para a sociedade, e hoje, com a pandemia COVID-19, com âmbitos de poderes plurais, a ciência, embora aponte os caminhos para que os organismos continuem a salvo, esbarra-se com as falas de políticos e economistas para que os trabalhadores retornem ao trabalho, a salvar a economia.
Enquanto isso, 3,4 bilhões de pessoas, ou 46% da população mundial, vivem com menos de 5,50 dólares por dia, segundo dados do Banco Mundial em 2018. Mais uma vez, então, a ciência, com a "máxima" #FiqueEmCasa, choca-se contra a realidade miserável de meio mundo pois, certamente, a maioria dessas pessoas não possuem vínculos empregatícios. Assim, atitudes pela ordem a coibir o avanço da pandemia encontram obstáculos no quesito socioeconômico, em que, muitas vezes, ficar em casa significa literalmente morrer de fome.
Por outro lado, muitos governantes adotam políticas contraditórias, uma vez que têm como principais financiadores, corporações lucrativas baseadas, entre outros fatores, na exploração da mão-de-obra de seus trabalhadores. Além disso, nenhum "príncipe" quer a sombra do desemprego aliada à sua imagem. Entre virtú e fortuna, os governantes, num contexto extremamente maquiavélico, buscam fazer o melhor para si, para quem os mantém no poder e, vez ou outra, para a população. Logo, a tomada de decisões fica esmaecida, em que, ao salvar alguns, outros são expostos ao risco.
Junto a isso, no contexto técnico-científico-informacional, a informação, a técnica e a ciência são, junto ao capital, de fato, poder sobre nós, humanos como força produtiva. O que revela os interesses por trás da ciência, nos fazendo pensar sobre quem financia e quem a transforma, e até onde estamos seguindo ordens do interesse de quem?
Em ordem local, por sua vez, o Brasil, mantenedor da velha política de favores por séculos, encontrou, como todos, no covid-19, uma situação única, mas com bônus de um presidente complicado, que vem fazendo desse contexto mais difícil do que já é por si ao abalar o Ministério da Saúde, prejudicando a tomada de decisões, uma vez que instabilidades políticas nesse momento devem ser categoricamente evitadas, pois perda de tempo resulta e, perdas de vidas também.
Ficar em casa significa ter casa para morar e dinheiro suficiente para não sair ao trabalho por tempo indeterminado. Por isso, o confinamento é um luxo. É um luxo que salvará, talvez, bilhões de vidas, e deve ser apregoado aos sete ventos, uma vez que sejam arquitetadas maneiras para que ele ocorra, tendo em vista as pessoas em situações mais vulneráveis, para que o sistema de saúde não entre em colapso.
Assim, é fato que a fome sempre matou mais que qualquer epidemia, e é muito negligenciada por não atingir a elite, como o coronavírus, que é transmitido independentemente das classes sociais. Então, se todas as vidas importam, por que punir com multas e violência aqueles que necessitam transitar até o trabalho, como feito na Itália e na França? Medidas assistencialistas. quer queira ou quer não, são extremamente necessárias para que a proteção seja holística, abrindo mão da estabilidade econômica e, por vezes, colocando a garganta de políticos ao risco, contrariando ações liberais que, certamente, culminarão numa histórica crise econômica. Por isso, criticar não é negar, mas entender as contribuições científicas e econômicas e seus defeitos, para que políticas errôneas sejam desaprovadas.


Anita Ferreira Contreiras - Direito Noturno, turma XXXVII.

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