A Constituição Brasileira de 1988 garante igualdade jurídica a todos os cidadãos, sob a
promessa de assegurar, dentre outros exercícios, o da igualdade e da justiça. Em
contramão a tais ideais, observa-se uma profunda desigualdade de tratamento pela
justiça brasileira entre a população negra e parda em comparação com a branca. No que
diz respeito a abordagem policial humilhante e violenta, até ao alto índice de prisões
preventivas, a população negra é imensamente mais atingida que a branca. Tamanha é
tal realidade, que não é raro o relato de uma pessoa negra no Brasil que, desde jovem,
aprendeu a temer a polícia e a não confiar na justiça. Com base nessa perspectiva,
Alexandre Beck produziu tirinhas com dois personagens jovens expostos à mesma
situação: a presença de um policial (ou guarda). Um dos garotos, Armandinho, branco,
está visivelmente indiferente a isso, e age com naturalidade diante do homem; já
Camilo, o outro garoto, é negro e demonstra saber, empiricamente, que qualquer ação
trivial, como correr com o amigo ou andar de bicicleta, pode servir de pretexto para uma
abordagem policial motivada pelo preconceito em relação a sua cor de pele.
Diante desse cenário contemporâneo, remete-se à ideia do racismo, sua gênese e
trajetória histórica no Brasil. Para isso, faz-se valer o conceito de Francis Bacon de
“ídolo”, desenvolvido na obra Novum Organum. Este seria uma distorção da realidade
provocada pelo desuso ou uso equivocado da racionalidade. Nesse âmbito, têm-se os
“ídolos do foro”, que atribuem ao discurso sofista potência de convencimento do outro
acerca de visões controversas e fantasiosas da realidade. Desta maneira, pessoas em
posições de visibilidade e influência social teriam um perigoso poder de servir como
fonte inquestionável de pseudoconhecimentos para o senso comum. Como exemplo
disso pode se relacionar a propagação e enraizamento do racismo na sociedade
brasileira através dos discursos vindos da elite que, quando se tratava do período
colonial, lucrava com o tráfico e comércio de pessoas negras escravizadas. Dentro dessa
lógica, é possível pensar que o racismo servia de ídolo de sustentação de um status quo
que favorecia os senhores e explorava e desumanizava a população vinda da África.
Ao longo da História, tal ídolo circundou o pensamento do brasileiro, e pode-se
dizer que se apresentou como um processo embrionário da cultura racista que ainda
vigora no Brasil. A desigualdade étnica no Brasil reflete na marginalização da
população negra e em um profundo desequilíbrio de oportunidades de acesso à saúde,
educação e emprego digno. Assim, de maneira equivocada, construiu-se uma lógica
deturpada que atrela a imagem do negro à criminalidade. René Descartes, em “O Discurso do Método”, associa o abandono de conceitos consolidados a uma luta, na qual
“é preciso (...) muito mais destreza para voltar ao mesmo estado em que se encontrava
antes do que para fazer grandes progressos, quando já se têm princípios que sejam
seguros”. Assim, sabe-se que a desconstrução do pensamento racista é um processo
complexo, mas indubitavelmente necessário.
A justiça deve ser por princípio uma ferramenta de impulso para a equidade, e
não uma via que assegure a manutenção perversa do privilégio de alguns em detrimento
de outros. A aplicabilidade da lei precisa acontecer de modo a enxergar a realidade
social brasileira, mas despindo-se dos ídolos de Bacon e dos princípios seguros de
Descartes. Somente assim os “Camilos” do Brasil, garotos e garotas, negros e negras,
poderão se sentir destemidos como Armandinho diante de uma autoridade policial, e acreditar
empiricamente nos dizeres fundamentais de igualdade e justiça que constam na
Constituição.
promessa de assegurar, dentre outros exercícios, o da igualdade e da justiça. Em
contramão a tais ideais, observa-se uma profunda desigualdade de tratamento pela
justiça brasileira entre a população negra e parda em comparação com a branca. No que
diz respeito a abordagem policial humilhante e violenta, até ao alto índice de prisões
preventivas, a população negra é imensamente mais atingida que a branca. Tamanha é
tal realidade, que não é raro o relato de uma pessoa negra no Brasil que, desde jovem,
aprendeu a temer a polícia e a não confiar na justiça. Com base nessa perspectiva,
Alexandre Beck produziu tirinhas com dois personagens jovens expostos à mesma
situação: a presença de um policial (ou guarda). Um dos garotos, Armandinho, branco,
está visivelmente indiferente a isso, e age com naturalidade diante do homem; já
Camilo, o outro garoto, é negro e demonstra saber, empiricamente, que qualquer ação
trivial, como correr com o amigo ou andar de bicicleta, pode servir de pretexto para uma
abordagem policial motivada pelo preconceito em relação a sua cor de pele.
Diante desse cenário contemporâneo, remete-se à ideia do racismo, sua gênese e
trajetória histórica no Brasil. Para isso, faz-se valer o conceito de Francis Bacon de
“ídolo”, desenvolvido na obra Novum Organum. Este seria uma distorção da realidade
provocada pelo desuso ou uso equivocado da racionalidade. Nesse âmbito, têm-se os
“ídolos do foro”, que atribuem ao discurso sofista potência de convencimento do outro
acerca de visões controversas e fantasiosas da realidade. Desta maneira, pessoas em
posições de visibilidade e influência social teriam um perigoso poder de servir como
fonte inquestionável de pseudoconhecimentos para o senso comum. Como exemplo
disso pode se relacionar a propagação e enraizamento do racismo na sociedade
brasileira através dos discursos vindos da elite que, quando se tratava do período
colonial, lucrava com o tráfico e comércio de pessoas negras escravizadas. Dentro dessa
lógica, é possível pensar que o racismo servia de ídolo de sustentação de um status quo
que favorecia os senhores e explorava e desumanizava a população vinda da África.
Ao longo da História, tal ídolo circundou o pensamento do brasileiro, e pode-se
dizer que se apresentou como um processo embrionário da cultura racista que ainda
vigora no Brasil. A desigualdade étnica no Brasil reflete na marginalização da
população negra e em um profundo desequilíbrio de oportunidades de acesso à saúde,
educação e emprego digno. Assim, de maneira equivocada, construiu-se uma lógica
deturpada que atrela a imagem do negro à criminalidade. René Descartes, em “O Discurso do Método”, associa o abandono de conceitos consolidados a uma luta, na qual
“é preciso (...) muito mais destreza para voltar ao mesmo estado em que se encontrava
antes do que para fazer grandes progressos, quando já se têm princípios que sejam
seguros”. Assim, sabe-se que a desconstrução do pensamento racista é um processo
complexo, mas indubitavelmente necessário.
A justiça deve ser por princípio uma ferramenta de impulso para a equidade, e
não uma via que assegure a manutenção perversa do privilégio de alguns em detrimento
de outros. A aplicabilidade da lei precisa acontecer de modo a enxergar a realidade
social brasileira, mas despindo-se dos ídolos de Bacon e dos princípios seguros de
Descartes. Somente assim os “Camilos” do Brasil, garotos e garotas, negros e negras,
poderão se sentir destemidos como Armandinho diante de uma autoridade policial, e acreditar
empiricamente nos dizeres fundamentais de igualdade e justiça que constam na
Constituição.
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