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segunda-feira, 25 de março de 2019

O conhecimento - nem sempre positivo - que surge da experimentação em diferentes realidades sociais.

Em contraste com os conceitos anteriormente existentes à respeito do método de produção de conhecimento - pautados em sua maioria em dogmas religiosos e crenças pré-estabelecidas -, Descartes e Bacon em suas obras inovam e introduzem ao pensamento científico a ideia de que o conhecimento deveria ser obtido através da observação e da experimentação dos fatos na realidade. Para ambos os autores, deste modo, chegaríamos ao conhecimento como este deveria ser: fidedigno e condizente com a realidade.
No dia a dia, em uma sociedade desigual com histórico racista e escravocrata como a que vivemos atualmente, a individualidade do ser humano como ser social faz com que ele, de acordo com a sociedade e sua posição na mesma, vivencie e experimente diferentes situações - em muitos casos infelizmente negativas -, condizentes com a percepção preconceituosa que a sociedade tem de suas respectivas culturas. Conforme defendido pelos autores - através  da conceituação de que o conhecimento é fruto da experimentação - , podemos concluir deste conceito que diferentes níveis socioeconômicos resultarão em diferentes experiências de vida, que por conseguinte resultarão em diferentes "conhecimentos" e condutas a serem adotadas ou evitadas no cotidiano e na vida em sociedade. Em se tratando da parcela da população historicamente oprimida, como a comunidade negra, é de se notar que a vivência decorrente  de situações de opressão resultam nessa comunidade em uma série de situações as quais, por recearem serem vítimas do racismo, são evitadas. É o que notamos na tirinha:

O menino branco, ao convidar Camilo para apostar uma corrida, não vê em tal conduta nenhum perigo, não receia fazê-la em público, uma vez que por ser branco, não é objeto do preconceito racial que a sociedade tem, e não vivenciou experiências anteriores nas quais o ato de correr em público fosse mal interpretado. Assim, sendo o conhecimento um fruto da experimentação, não faz parte do conhecimento nem do leque de condutas a serem evitadas do menino branco o conceito de não correr em público, pois seria supostamente perigoso. Infelizmente, para Camilo - na condição de jovem negro -, tal conduta é tida como perigosa, a ser evitada. Podemos deduzir então que a convivência com o racismo em sociedade, a infeliz experimentação dessa prática, surte em Camilo o conceito de que não deve correr em público, ainda mais perto de um policial, tendo em vista que de certo Camilo já presenciou a violência policial para com o negro e já teve a percepção da tendência preconceituosa institucionalizada de se observar um jovem negro correndo e se deduzir que este está fugindo ou praticando crimes.
Sendo o modo como enxergamos e conhecemos o mundo, fruto de nossas experiências - como argumentam os autores supracitados - notamos neste caso que diferentes realidades sociais culminam em diferentes conhecimentos acerca da vida cotidiana, em diferentes modos de agir em sociedade, frutos muitas vezes da opressão que determinados grupos sofrem. Na outra tirinha, percebemos esse mesmo raciocínio:
Para o menino branco, não faz sentido ter de andar com a nota fiscal de sua bicicleta para comprovar a sua origem lícita: sendo ele branco, sempre houve a presunção de que ele seria o dono efetivo da bicicleta, vez que provavelmente ele nunca fora abordado na rua e inquirido se a bicicleta realmente seria sua. Tal presunção é pautada no pressuposto racista de que um branco teria condições de comprar um bicicleta, já o negro estereotipado como pobre de periferia não teria, ensejando uma suposta suspeita. Já para Camilo, jovem negro que socialmente é estereotipado como ladrão ou criminoso em potencial, é necessário portar a nota para provar esta origem lícita, e até evitar uma possível prisão ou abordagem violenta.
Constatamos, novamente, que na vida em uma sociedade que tem preconceitos enrustidos em fortíssimas raízes históricas racistas, escravocratas e patriarcais, há diferentes realidades sociais que resultam em determinados conjuntos de conhecimento e de condutas específicas, e, para além da classe social, há também a distinção quanto ao grupo étnico-racial e até mesmo ao gênero de alguém, sendo esses fatores definidores do conjunto de experiências que essa pessoa vivenciará no dia a dia, que, em consequência, moldará um conjunto de conhecimentos acerca de condutas a serem evitadas ou adotadas por aquele determinado grupo, condutas essas que muitas vezes não fazem sentido aos outros grupos, uma vez que estes não sofrem tais experiências e, sendo o conhecimento um fruto da experiência, não o obtém.
Outro exemplo que pode ser citado, envolvendo agora um grupo que se restringe pelo gênero, é o de que não faz sentido para o homem recear sair de casa com uma roupa curta, ou até mesmo sem camisa, pois não faz parte do histórico de experiências do homem ter sido violentado por estar nessas condições, diferentemente da mulher, que por diversas vezes ter sido vítima de assédio sexual, infelizmente costuma recear e se preocupar com suas vestimentas.
Tais situações não devem jamais serem normatizadas nem tidas como algo imutável. Têm raízes históricas profundas de séculos de exploração e marginalização, onde por exemplo ser negro fazia inclusive com que a pessoa fosse juridicamente tratada como uma posse. Essa cultura do preconceito, do machismo encontra-se infelizmente amalgamada à nossa sociedade, devido ao descaso e a omissão, bem como devido principalmente à normatização que sempre houve diante de atos preconceituosos com esses grupos oprimidos. Nestes casos, as diferentes realidades sociais infelizmente se relacionam com os conceitos dissertados pelos autores no sentido do conhecimento através da observação e experimentação  do mundo.
Adelino Mattos Marshal Neto  - Direito Matutino 1º Ano. 

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