Para que o estudo sobre a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental acerca da proibição do aborto, em casos de anencefalia do feto, seja efetivo, precisa-se entender o que é anencefalia e quais as condições dos envolvidos numa situação como essa. Essa doença consiste em malformação do tubo neural, com ausência parcial do encéfalo e do crânio, por causa de um defeito no fechamento do tubo neural durante a formação embrionária. Segundo o Dr. Thomaz Rafael Gollop, sobre a condição do feto com essa malformação, "isto é a morte cerebral, rigorosamente igual. O anencéfalo é um morto cerebral que tem batimento cardíaco e respiração", ou seja, ele não tem consciência, cognição, comunicação, afetividade e emotividade. Com o mesmo raciocínio, o Dr. José Aristodemo Pinotti afirma essa doença ser "letal, em cem por cento dos casos, quando o diagnóstico é correto... O feto anencéfalo, sem cérebro, não tem potencialidade de vida. Hoje, é consensual, no Brasil e no mundo, que a morte se diagnostica pela morte cerebral. Quem não tem cérebro, não tem vida". Ainda, a anencefalia se trata de uma doença congênita letal, pois não há possibilidade de desenvolvimento da massa encefálica em momento posterior.
Deve-se considerar, também, a situação dos pais do feto anencefálico. Primeiro, a saúde física da mulher pode correr diversos riscos. Consta-se que, em 50% dos casos de feto anencefálico, ocorre a poli-hidrâmnio, que é o aumento do líquido amniótico, que pode levar à hipertensão, ao trabalho de parto prematuro, à hemorragia pós-parto e ao prolapso de cordão. Deve-se ressaltar, ainda, que a ocorrência de aborto clandestino, para as mulheres pobres, leva a consequências absurdas à mulher (em alguns casos, até a morte), mas a continuidade dessa gravidez também poderia levar a essas consequências e, portanto, tem-se uma questão de saúde pública e não de direito penal. Considerando a saúde mental dos pais, segundo a Dra. Talvane Marins de Moraes, dar continuidade numa gestação sem possibilidade de vida para o feto pode gerar depressão, estresse pós-traumático e até mesmo tentativa de suicídio, já que não permitem uma decisão à mulher, ela pode chegar à conclusão, na depressão, de autoextermínio. Existem, inclusive, estudiosos que consideram como tortura expor a mulher a essa situação.
Assim, questiona-se se antecipar o evento da morte do feto, que irá ocorrer de qualquer forma, para manter a saúde física e mental da mulher, pode ser considerado contra o princípio da dignidade humana. A partir das situações expostas, afirma-se que negar o direito à mulher de escolha se quer prosseguir ou não com a gestação, nessa situação, se constitui como um descumprimento do direito à saúde, à dignidade, à liberdade, à autonomia e à privacidade. Isto porque, a interrupção da gravidez nesse caso, não poderia ser considerado como um crime à vida já que o feto não têm vida. Não tendo, o feto, potencialidade de vida, ele é considerado natimorto e, portanto, é morto juridicamente. A Lei de Transplante de Órgãos (Lei 9.434/1997) fixa como momento da morte do ser humano o da morte encefálica, ou seja, o feto anencefálico não é titular do direito à vida justamente porque não há viabilidade de vida.
No que diz respeito à falta de previsão expressa no Código Penal de 1940, tem-se que, na época, não existia possibilidade de se averiguar, antes do nascimento, se o feto tinha a doença, entretanto, com o avanço da medicina, hoje essa possibilidade existe. Assim, segundo a perspectiva de Bourdieu, é necessário que haja uma adequação segundo o momento histórico. Essa adequação seria encontrar uma maneira inédita para a demanda de maneira a considerar a norma. Por fim, considera-se que existe por trás dessa necessidade, questões sociais profundas que são construídas cognitivamente. Portanto, deve ser considerado esse exercício de pressão como uma forma de reivindicação dos direitos à saúde, à liberdade e à dignidade.
Camila Matias - Direito/ Diurno.
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