“Acho que toquei num nervo social muito importante, a
liberdade. A liberdade social e de orientação de gênero, que são coisas muito
caras e relativamente recentes. Existe um passado de estigma. Vivemos um
momento em que a homossexualidade não é considerada um crime, mas ao mesmo
tempo é vista como pecado e doença.” – Laerte Coutinho.
Esses e outros paradigmas e antíteses cercam a
transexualidade, envolta de pré-conceitos e repressões por parte da sociedade.
Assim, o indivíduo transexual, em geral, não é acolhido pela família, pela
religião, pela escola, pelo ambiente profissional e é renegado, até mesmo, pelo
movimento LGBT.
Tal inadequação social, além da tentativa frustrada em
encaixar-se nos padrões impostos pela sociedade heteronormativa, culmina em
variados sofrimentos para a pessoa transexual: são vistos, muitas vezes, como
Laerte afirmou, como doentes, portadores de um transtorno; ademais, passam por
diversos constrangimentos cotidianamente; por fim, sentem-se mal consigo mesmo,
resultando em problemas de saúde, como a depressão, e podendo, também, levar ao
suicídio.
Essa é a história de XXXXXXXX, mulher transexual, que se
submete, há 12 anos, a tratamentos psicológicos, psiquiátricos – “Há
muitos anos, vem-se submetendo a tratamentos psicológicos e psiquiátricos,
cujas conclusões são no sentido de que a parte-autora está segura quanto à
realização da cirurgia de mudança de sexo. Os laudos
psicológicos e atestados psiquiátricos dão conta de que essa situação tem dado
ensejo a dores psicológicas e sofrimentos mentais, com sintomas depressivos,
daí a recomendação para a referida cirurgia” -, além de fazer
tratamento hormonal desde os seus 15 anos e de ser acompanhada por outros
médicos, os quais indicam que ela está pronta para fazer a cirurgia de mudança
de sexo, bem como para mudar seu nome e seu sexo no Registro Civil – isto seria
de enorme contribuição para evitar constrangimentos diante das pessoas, as
quais fazem perguntas desconfortantes em relação ao fato de a transexual ter
traços femininos, porém apresentar um “nome masculino”.
Ela pleiteou a cirurgia de mudança de
sexo com financiamento pelo SUS, a mudança do prenome e do sexo no registro
civil. Tal cirurgia é, inclusive, recomendada por seus médicos, devido aos
enormes sofrimentos e, também, porque tal procedimento é visto como uma solução
para o “transtorno”, já que a transexualidade é ainda considerada por muitos uma
doença.
Assim,
com base nos direitos constitucionais à vida, à dignidade da pessoa humana, à
igualdade e à liberdade, bem como no art. 13, CC - “O art.
13 do Código Civil, ao permitir a disposição do próprio corpo por exigência
médica, autoriza as cirurgias de transgenitalização, em conformidade com os
procedimentos estabelecidos pelo Conselho Federal de Medicina, e a consequente
alteração do prenome e do sexo no Registro Civil” - e
na jurisprudência, o seu pedido foi deferido em primeira instância, isto é,
decidiu-se pela tutela antecipada.
Essa decisão foi sabiamente tomada, levando-se em conta que,
segundo Weber, deve-se prezar pela autonomia do indivíduo em relação ao seu
nome e ao seu corpo. Ademais, tal sentença também concorda com Weber na medida
em que este enfatiza que não há um direito puramente formal: a ciência jurídica
abrange tanto o direito formal quanto o direito material. Ou seja, é uma
ciência que não deve basear-se apenas na racionalidade, e é necessário causar
rupturas para criar novos direitos – isso é a “dinâmica revolucionária”
weberiana.
No entanto, a sentença foi negada em segunda instância, o
que, para Weber, nada mais é do que o resultado da manipulação do direito feita
pelas classes privilegiadas – e heteronormativas, sob o argumento de que é
preciso uma racionalidade jurídica e formal –, as quais, com seus preconceitos
enraizados, contribuem tão somente para maiores atitudes repressivas e para a
má qualidade de vida ou, até mesmo, para suicídios de tantos transexuais.
Nathalia Neves Escher - 1º ano de Direito (noturno).
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