O Campo Jurídico, segundo Bourdieu, possui uma linguagem própria e um meio autônomo para funcionar. Também nele se encontra uma luta simbólica entre diversos grupos para se fazer criar a decisão jurídica. Tal decisão, todavia, pode ser aplicada até para questões que não são puramente jurídicas, com, a exemplo, o que é vida e o que não é.
A questão do aborto de anencéfalos cobre tal concepção de forma bastante satisfatória. É uma questão biológica, e não jurídica, discutir o que é de fato vida, todavia, o direito, usando de uma decisão jurídica, tomou a si tal dever. Além disso, a discussão sobre o aborto em forma geral não foi discutida pois está fora do Espaço dos Possíveis.
O Espaço dos Possíveis é, ao mesmo tempo, razão e moral, e cabe ao direito decidir se optará pela resposta moral ou pela resposta racional, mas apenas do que a sociedade está minimamente preparada para receber. O aborto descriminalizado - ou até mesmo liberalizado - não cabe dentro da sociedade, todavia, o aborto de anencéfalos pode ser, devido ao caráter racional do século XXI e de seus valores morais, discutido.
Apesar de haver uma alegação sobre a laicidade do Estado, muitos grupos religiosos puseram-se contrários à possibilidade de tal ato. Os juízes aceitaram sim que tais grupos tivessem direito à voz, exigindo deles, porém, que usassem da razão e não de argumentos puramente religiosos. Isso se dá pois, dentro do campo jurídico, mesmo em um Estado laico, a religião possui peso. Esse peso se dá mormente pelo povo possuir e decidir professar uma fé. Como o povo é a base de um Estado e é também o soberano do poder, ele tem sim o direito de protestar contra a discussão citada. Na sociedade brasileira, com alta incidência de cristãos, o capital simbólico da fé possui força grandiosa que não pode ser simplesmente ignorada.
Por fim, a decisão para se permitir o aborto de anencéfalos só foi possível pois estava dentro do Espaço dos Possíveis do Campo Jurídico, e mostrou que por vezes o direito é capaz de adentrar áreas que não lhe dizem respeito. Também fica evidente, por aprovar algo contra-hegemônico, que não é totalmente instrumental, mas por não aprovar o aborto, que atua de forma dependente da sociedade.
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