Ao
analisarmos o quadro universitário do Brasil, seja por parcela de
primeiro-anistas, seja ainda mais por número de alunos que de fato
obtêm o diploma, encontramos uma curiosa – e, nem por isso,
surpreendente – discrepância entre a taxa de pessoas que se
declaram brancos e a de que se declaram negros ou pardos. Existem
diversas perspectivas de observar tal fenômeno social – sim, pois
ocorre em sociedade, envolvendo a população e seus contextos,
devendo assim ser caracterizado –, e encontramos três pontos
marcantes de visão sobre o tema no artigo de Boaventura de Sousa
Santos, “Poderá o Direito ser Emancipatório?”, os quais são
debatidos numa linha de transição entre o extremo ponto direito, os
conservadores; e o diametralmente oposto à esquerda, os
revolucionários.
Para
iniciar a contextualização da obra do português, precisa-se
invadir a esfera do Direito emancipatório, ou seja, um Direito visto
além do modelo encontrado nos padrões liberais, que procura
contemplar somente o corpo do texto legislativo e ser assim
eficiente. O Direito que segue o cosmopolitismo subalterno –
definido pelo autor como um conjunto de realidades de segmentos
excluídos pela sociedade capitalista por diversos motivos – se
adéqua à contraposição da globalização hegemônica, por isso
sendo contra-hegemônica, ou seja, uma ferramenta contestadora das
situações de abandono de direitos desses segmentos – num espectro
mais amplo, questionadora do próprio capitalismo e do contrato
social.
Dessa
maneira, temos que uma grande parcela da sociedade se encontra à
margem do Direito, de seus direitos, e, uma vez assim colocada –
propositalmente pela minoria de detentores do poder –, não
conseguirão fugir desse estigma de outra forma que não a ação
estatal, daí a importância do Estado como figura social. Existem,
então, como citado anteriormente, perspectivas variadas de se ler
tal deficiência de acomodação social – a coexistência de
sociedades civis e incivis –, e o autor cita três modelos de
pensamento: O conservador, que se fundamenta na manutenção do
direito às minorias que detêm capital e poder; o reformista
demo-liberal/demo-social, baseado na ideia de que pequenas mudanças
providenciais são suficientes para tal acomodação; e o
revolucionário, o qual prevê grandes alterações estruturais na
forma como a sociedade orgânica funciona.
Segundo
essas três maneiras, compreendemos a problemática acima –
discrepância entre número de estudantes universitários brancos e
negros/pardos – também sob três lentes: O conservadorismo enxerga
a divergência como algo distante do Estado, pois é responsabilidade
civil, algo próximo do que chamamos de “meritocracia” – ou
seja, o estar em uma universidade é somente mérito de estudos e
competência; o reformismo reconhece o problema, porém oscila entre
resolvê-lo e não o fazer, e, quando o faz, não é algo além de
uma medida paliativa; por fim, o posicionamento revolucionário
percebe nessa situação um erro grave de estrutura, que foi herdado
do passado, mantém-se no presente, e será visto também no futuro
caso não haja uma política capaz de alterar sua raiz: as
desigualdades sociais.
Isso
nos possibilita chegar à conclusão de que o texto de pedido de
arguição de descumprimento de preceito fundamental, movido pelo
Partido Democratas, sobre a implementação de um programa interno de
cotas a estudantes declarados negros, versa a respeito de semelhante
questão – políticas afirmativas que venham atuar no contra-fluxo
do conservadorismo meritocrático –, citando e argumentando a
respeito no sentido de reiterar a ideia de que cotas raciais
reafirmam o preconceito, além de serem anticonstitucionais.
O
texto, que requere a anulação dessa implementação, baseando-se em
artigos da Constituição Federal e notas científicas, é contrário
às vagas especiais por acreditar serem falhas e insuficientes,
meramente paliativas – o que não deixa de ser verdade. O grande
problema é acreditar que, somente por serem paliativas, ou
contemplarem também uma parcela mínima de negros/pardos que possuem
renda superior à imensa maioria da classe, não devam existir, posto
que necessárias a um início – mesmo que extremamente irrisório –
de mudança no sistema educacional nacional, ou a uma quebra no
estigma que carregam esses homens e mulheres fadados à escassez de
opções no âmbito acadêmico e, posteriormente, profissional. Aí
se manifesta a importância do Direito Emancipatório, ao fim das
barreiras e impedimentos do acesso à sociedade civil por todos, e
por completo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário