1.
INTRODUÇÃO
Os direitos sociais constitucionalizados, no art.
6º da Constituição Federal do Brasil, integram o núcleo dos chamados direitos
fundamentais, quase todos legislados pelo art. 5º, nos incisos I a LXXVIII.
Sendo direitos fundamentais, eles inserem-se nas
garantias sociais do Estado Democrático de Direito
brasileiro que integra o patrimônio jurídico do povo.
A estabilidade das relações jurídicas, inapelavelmente, antes de
servir de base segura ao povo, constitui valor fundamental de uma
Estado que tenha a pretensão de merecer o título de Estado Democrático de
Direito. Por isso, o ordenamento jurídico pátrio é taxativo (consolidado na observação dos preceitos dogmáticos da constituição) ao assegurar como
princípio fundamental, no art. 1º da Constituição Federal de 1988, que a
República Federativa do Brasil constitui-se em Estado Democrático de Direito,
enaltecendo dentre outros, os valores sociais do trabalho (inc. IV, art. 1º), a
dignidade da pessoa humana (inc. III, art. 1º), a construção de uma sociedade livre, justa e solidária
(inc. I, art. 3º), a erradicação da pobreza e a redução das desigualdades
sociais e regionais (inc. III, art. 3º), a promoção do bem de todos (inc. IV, art. 3º).
Além disso, o art. 6º relaciona os direitos sociais: a educação,
a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a
proteção à maternidade e à infância e a assistência aos desamparados. Dessa
forma, interpreta Milton Santos “... Os direitos sociais merecem um tratamento
de relevância entre os direitos fundamentais definidos no extenso catálogo de direitos constitucionais do Brasil, e
nessa exata medida, o próprio desenvolvimento, enquanto verbo e ação necessita ter como viés central a
efetivação e a concretização dos direitos sociais fundamentais, os quais devem
ser o fim e o objeto nuclear do desenvolvimento, não se concebendo, portanto,
um processo de desenvolvimento centrado unicamente em teorias econômicas desprendidas
dos valores humanos” (Milton Santos, Por uma economia politica da cidade,
1994).
Observa-se
dessa forma que a própria concepção de Estado Democrático de Direito abrange a
qualidade emancipatória do Direito. Primeiramente porque garante segundo Elias
Dias, por respaldo jurídico, a passagem do neocapitalismo e sua ideologia
operante (Conservadorismo burguês) para o socialismo em conjunto a uma
ideologia solidaria. Em segundo momento o Estado Democrático, baseado na
proposta de Herman Heller, Garante a democratização da economia, servindo como
alavanca do desenvolvimento econômico e social do Estado.
Porem
cabe aqui dizer que os ditos Estados Democráticos de Direito da modernidade
somente o são de fato no titulo, oque se observa modernamente são instituições
que se desviaram em seus objetivos, sendo manipuladas por corporações com
objetivos estritamente baseados na logica de mercado, em conjunto com Estados
fracos em uma profunda crise do Contrato
social. Dessa forma, com suas instituições deturpadas e sua administração
em crise, os Estados ditos “Democráticos de Direito” nada podem fazer para
impedir a “patologia social”, como diria Durkheim, identificada por Boaventura
Santos, o fascismo social.
2 .
Crise
contratual e o Fascismo social
O contrato social é a
metáfora fundadora da racionalidade social e política da modernidade ocidental.
Como qualquer outro, assenta-se em critérios de inclusão. Ele visa criar um
paradigma sociopolítico que produz de maneira normal, constante e consistente
quatro bens públicos: legitimidade da governação, bem-estar econômico e social,
segurança e identidade coletiva.
Esse paradigma atravessa,
segundo Boaventura Santos, grande turbulência. A crise contratual moderna
consiste na predominância estrutural dos processos de exclusão sobre os de
inclusão, sob duas formas: o pós-contratualismo e o pré-contratualismo. Tais
formas de exclusão encontram-se como entes formadores de um conceito muito
maior, chamado de fascismo social, que Boaventura Santos o identifica como “um tipo de regime no qual predomina a lógica dos
mercados financeiros em detrimento de grandes setores das populações,
gradativamente distanciados e excluídos do campo de direitos sociais adquiridos
nas últimas décadas.” (Santos, 2003,p.3-76).
3 . Manifestações
do Fascismo social: Apartheid Social e Fascismo da Insegurança.
3.1 Fascismo da insegurança
A modernidade avança em um ritmo
tão frenético que aparentemente não há limites para o seu desenvolvimento.
Fugindo-se de tal utopia, o grande sociólogo polonês Zygmunt Bauman assevera
que a modernidade que presenciamos alicerça-se basicamente em dois pilares: a
insegurança e a indeterminação. O medo torna-se onipresente, manifestando-se em
todos os estratos sociais, contrariando todas as lógicas naturais de que a
tecnologia seria a mola propulsora da felicidade humana. Soergue-se então um
trágico ciclo vicioso: “tendo assolado o mundo dos humanos, o medo se torna
capaz de se impulsionar e se intensificar por si mesmo” (BAUMAN, 2006, p.172).
O grande sociólogo ainda pondera
que presenciamos um mundo “negativamente globalizado”. A sociedade desenvolve
uma ânsia compulsória por se sentir segura, no qual desenvolvemos um amor
exacerbado por essa segurança, em todos os âmbitos possíveis. Como bom e fiel
companheiro, o capitalismo não se absteria de mercantilizar tal anseio,
disseminando-o diariamente pelo meio midiático.
Apesar da redistribuição social que
vivenciamos em relação ao medo, percebe-se que seus efeitos mais drásticos
manifestam-se nas classes subalternas. O jus sociólogo Boaventura de Sousa
Santos enfatiza justamente essa vertente dentro da perspectiva do fascismo da
insegurança, inserido na lógica da “globalização contra hegemônica”. Essa, nos
dizeres do autor, é a “manipulação discricionária do sentimento de insegurança
das pessoas e dos grupos sociais vulnerabilizados pela precariedade de emprego
ou por acidentes ou acontecimentos desestabilizadores” (SANTOS, 2003, p.22).
O autor explicita que esse fascismo
articula-se pela ação de um “jogo de ilusões retrospectivas e prospectivas”. As
ilusões retrospectivas salientam o ciclo do medo e da insegurança, acoplado de
um sentimento de ineficiência da burocracia estatal no que tange a prestação de
serviços e segurança social, incitando a interferência da esfera privada no
setor estatal. As prospectivas, por sua vez, alimentam um ilusório bem-estar
por deter maior segurança, muitas vezes ocultando seus riscos, propagam essa
premissa como se fosse uma virtude, afinal o medo necessita ser combatido (uma
grande hipocrisia, afinal o impulsiona).
O fascismo da insegurança,
infelizmente, na sociedade dita como pós-moderna manifesta-se como uma
característica inerente e muito presente. Diversas exemplificações
consubstanciariam esse, todavia priorizou-se pela abordagem da privatização do
Banco do Estado do Maranhão (BEM) que decorreu em 2004, quando o Bradesco
venceu o leilão da compra do referido banco. Aparentemente, uma mera prática
neoliberal que ocorreu de modo lícito, permitida dentro do cenário da
“globalização hegemônica”, todavia camufla os reais patamares no qual a
insegurança fora inserida.
De acordo com dados do Sindicato
dos Bancários, o BEM possuía dois mil funcionários, sendo que no momento em que
fora vendido para o Bradesco, possuía somente 473 empregados. Em 2007, esse
número reduziu-se, mais ainda, a 153 bancários. Gradativamente, disseminou-se
entre os funcionários uma veemente “pressão psicológica” por metas que deveriam
ser cumpridas, no qual o não cumprimento dessas acarretaria em demissões por
justa causa. Inúmeros desses funcionários eram concursados, contradição em
relação a legalidade vigente, além de muitos já terem estabelecido carreira
ali, pois depois de tantos anos trabalhando no mesmo estabelecimento,
desenvolveram uma identidade com o mesmo, que fora incorporada ao seu
“patrimônio”.
Inevitavelmente, mazelas
soergueram-se dessa usurpação e desrespeito aos direitos então adquiridos por
aqueles. No âmbito econômico, muitos desses bancários se quer receberam
indenizações, pois a pressão chegou a tão ponto, que se auto demitiam; ou se
recebiam, não era coerente com os anos prestados. Mais pérfido ainda, foram as
consequências quanto a saúde, pois muitos ingressaram em uma profunda
depressão, outros adquiriram problemas emocionais, relacionamentos foram destruídos
frente a esse caos, etc. A quem então recorrer, afinal o próprio Estado
legitimava tal ação? Mais uma vez os subalternos são segregados e
impossibilitados se quer de reivindicar por seus devidos direitos, sendo
literalmente membros de uma “sociedade civil incivil”.
Reitera-se novamente a tão
inflamada insegurança, mas será se essa necessita de um viés econômico? Dentro
de uma lógica do mercado, no qual vivenciamos, é impossível qualquer ato não se
relacionar aos princípios imperantes do capital, seja direta ou indiretamente, seja
a curto ou longo prazo.
Dentro dessa perspectiva, destaca-se a
“pedagogia educacional” disseminada em Israel e na China. Os cidadãos
israelenses são submetidos a uma forte pressão psicológica, no qual desde
pequenos assimilam gradativamente o massacre pelo qual seu povo passou;
posteriormente na adolescência, muitos visitam os campos de concentração, onde
é disseminada a ideologia de que o massacre aos judeus não persiste por deterem
grande potencial bélico. Já os chineses absorvem um discurso do ódio aos
japoneses desde a infância, no qual sucessivamente reporta-se ao Massacre de
Nanquim, no qual foram mortos mais de 200 mil chineses e exige-se uma
“contraprestação” apesar dessa tragédia ter ocorrido há mais de 70 anos.
3.2
Apartheid Social
O
fascismo social pode se manifestar também na forma de apartheid social, que é a
“segregação social dos excluídos mediante a divisão das cidades em zonas
selvagens e zonas civilizadas”¹. Essas zonas podem ser tipificadas com exemplos
bem atuais de segregação. As “zonas selvagens” são regiões como a “Cracolândia”
no bairro da Santa Ifigênia em São Paulo, que passou por uma intervenção
truculenta de dispersão dos viciados, levantando extensa polêmica. A ação
dirigida pelo poder municipal em conjunto com o poder estadual foi, realmente,
realizada de forma desumanizadora, fortalecendo o estigma de marginalidade e
periculosidade ao tratar os viciados como cães que devem ser enxotados. Como se
pode ver, nessas zonas o Estado “atua de forma fascizante, comportando-se como
um Estado predador, sem a menor consideração, nem sequer na aparência, pelo
Estado de direito.” ²
No
entanto, medidas precisavam ser tomadas com relação àquela região, afinal,
segundo alguns comentaristas, era “privatizada” pelos traficantes, muitos
presos nessa ação. O Estado havia simplesmente abandonado o local, nenhum tipo
de serviço público era oferecido ali ou nas redondezas, a não ser o serviço
policial, nenhum pouco preparado pra fazer algo diferente do que tem sido
feito. Segundo especialista, uma política de redução de danos, realizada
através da distribuição de seringas, preservativos e alimentos aos viciados,
criando um vínculo entre eles e assistentes sociais, como realizado em muitas
regiões de Portugal, geraria a possibilidade de uma efetiva retirada desses
indivíduos das ruas através de tratamento oferecido pelo poder público em
locais apropriados, como deveria ser o “tendão da Rua Prates”, ainda não
terminado.
Para
os moradores, entretanto, essa maneira de agir poderia facilmente ser
confundida com uma “oficialização” do local como ponto livre para usuários de
drogas. Realizar uma ação violenta gera um sentimento de efetividade, de um
Estado realmente ativo, que cumpri o seu dever perante a sociedade; sentimento
muito conveniente para se ter entre eleitores em um ano de eleições.
Coincidência, não? Trabalhar de forma conjunta com os moradores da região, que
têm o direito de viver em um lugar mais seguro, explicando os projetos de ação
frente aos problemas e, quem sabe, torná-los coparticipantes dessas ações, com
certeza é difícil, mas as tornaria mais realistas; evitando, assim, que haja
uma maior segregação e fuga para as “zonas civilizadas”, isto é, os condomínios
fechados, “cidades privadas”, “comunidades muradas”.
A multiplicação
intensa de condomínios fechados tem sido objeto de estudos devido à separação
que gera entre o cidadão com recursos e o cidadão comum. O medo da violência,
intencionalmente exacerbado por programas televisivos sensacionalistas, e a
garantia de segurança contra essa violência são algumas das principais
justificativas utilizadas pelos que buscam esses locais de habitação, “mesmo
considerando a possibilidade de que esteja ocorrendo um aumento da
criminalidade, principalmente das taxas de crimes violentos, é necessário
anotar que os promotores desses empreendimentos , assim como a mídia, têm usado
esses índices sem o devido rigor. O assunto é tratado como se a violência fosse
generalizada, e não um problema circunscrito a algumas situações e relacionado
a universos delimitados. Na verdade, devemos ter em mente que os índices muito
elevados de criminalidade se referem, sobretudo, às áreas onde se concentra a
moradia da população mais pobre.”³
Mas não são os
únicos argumentos utilizados, o desejo de “exclusividade” também está muito
envolvido nessa escolha; a busca por estar realmente separado do comum,
excluindo territorialmente os “diferenciados”, evitando o “incômodo” de ter
contato com outros grupos sociais, também estão entre os motivos citados. “Os
pesquisadores, Atkinson e Flint (2004), ressaltam que a necessidade de
segurança por parte dos moradores dessas comunidades não significa apenas
proteção contra crimes violentos, mas também uma vontade de evitar as
“incivilidades” cotidianas. As pessoas entrevistadas, tanto dentro como fora
dos condomínios fechados têm um sentimento de que a distinção e a exclusividade
eram tão ou mais importantes do que as preocupações com a segurança, para
explicar a atração por esse tipo de residência.” 4 Nessas “zonas
civilizadas” o “Estado atua de forma democrática, comportando-se como um Estado
protetor, ainda que muitas vezes ineficaz e não fiável”. 5
Nesse contexto,
o substrato ideológico, propagado pelas mídias e financiado pelas grandes
corporações, de instabilidade e insegurança enquadra-se integralmente no
conceito de fascismo de apartheid social de BOAVENTURA, anteriormente citado no
texto; permitindo uma compreensão do engano à que estamos sujeitos, um
chacoalhar das nossas pré-concepções e, quem sabe, um eventual diferente
enfrentamento de questões tão nossas, mas encaradas por uma visão “outruísta”,
isto é, não é minha responsabilidade.
1. SANTOS,
Boaventura de Sousa. Revista Crítica de Ciências Sociais, 65, Maio 2003, pg.
21.
2. SANTOS,
Boaventura de Sousa. Revista Crítica de Ciências Sociais, 65, Maio 2003, pg.
21.
3. Disponível em: < http://www.fee.tche.br/sitefee/download/tds/019.pdf>. Acesso em: 17 nov. 2012. pg. 10
4. Disponível em: < http://www.fee.tche.br/sitefee/download/tds/019.pdf>. Acesso em: 17 nov. 2012. pg.12
5. SANTOS,
Boaventura de Sousa. Revista Crítica de Ciências Sociais, 65, Maio 2003, pg.
21.
4 . Bibliografia
BAUMAN, Zygmunt. Medo líquido. Rio de Janeiro: Zahar,
2008.
Diaz, Elias. Estado de
derecho y sociedad democrática. Madri:
Edicursa, 1969.
Heller, Herman. Teoria
Do Estado. São Paulo: Edipiro, 1968.
SANTOS, Boaventura de
Sousa. Revista Crítica de Ciências Sociais, 65, Maio 2003.
SANTOS, Milton. Por uma economia política da cidade. SP: Hucitec /Educ, 1994.
Membros do Grupo: Heloisa Bretas, Gustavo Bourbon, Luísa Thomazella, Sahid Sekeff, Yuri Rios.
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