Durkheim expõe o fato de, nas sociedades primitivas, a caracterização do crime como algo que ofende a consciência coletiva acabava por resultar na aplicabilidade da pena a atos que não afetavam consideravelmente a ordem social. Assim, seria comum que deslizes ao padrão moral tido como adequado apresentassem grande suscetibilidade à aplicação do direito, mesmo que a estrutura mecânica daquelas sociedades permanecesse inabalada.
Na sociedade ocidental contemporânea, porém, somos brindados com uma liberalidade certamente repudiada pelo padrão social primitivo. Dessa forma, o direito, positivado em normas escritas, permite a cada indivíduo seguir sua própria orientação moral (desde que cumprindo o princípio da legalidade), sendo atos ilícitos passíveis de punição aqueles que afetem a a ordem social. Poderíamos então concluir que, ao obedecermos estritamente o ordenamento vigente, estaríamos livres de qualquer tipo de repressão.
Não é o que ocorre. Valores arraigados às consciências individuais tendem a constituir um empecilho à liberalidade vigente. Isso porque qualquer comportamento deles divergente , mesmo que protegido por lei, será provavelmente alvo de repulsa e perseguição - alvo da intolerância. Por mais moderna e livre de preconceitos que se intitule uma sociedade, o comportamento intolerante ao incomum, ao diferente, é um fator contribuinte ao retorno à primitividade social exposta por Durkheim no texto analisado. Com isso, apesar de legalmente livre de sanção, o indivíduo que não se enquadra no padrão moral pré-estabelecido tende a ser punido, às margens da lei, pela sociedade, seja pela indiferença, seja por ataques (tanto físicos quanto morais) diretos.
Além disso, como nos tempos primitivos, essa punição se estende, irracionalmente, àqueles próximos do indivíduo divergente. Parece haver, no inconsciente da intolerância, uma associação entre genética e comportamento "imoral" (os familiares do indivíduo diferente certamente o são, nesse raciocínio) , ou mesmo a consideração deste como contagioso.
Nota-se, portanto, que embora o direito contemporâneo ocidental difira do primitivo, a influência deste no âmbito extra-jurídico ainda é notável. Há, assim, o embate entre liberalidade e intolerância.
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