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quinta-feira, 17 de abril de 2025

As ciências sociais são úteis (obrigatórias) ao jurista?

    O Direito, como ciência social aplicada que se manifesta por meio de um sistema de normas e tem como uma de suas principais funções a organização social, não pode se considerar uma ciência isolada, baseada apenas no que está codificado. Como afirmou Montesquieu em sua obra "Do Espírito das Leis": "As leis devem ser tão próprias ao povo para o qual são feitas, que é um grande acaso se as de uma nação podem convir a outra". Assim, o Direito precisa fundamentar-se nos estudos sociais, uma vez que está imerso em um contexto cultural, político e social. Daí a necessidade do estudo da Antropologia, Ciência Política e Sociologia, disciplinas que integram nosso currículo na Unesp.

    A Sociologia oferece ao jurista uma visão interpretativa do comportamento humano e das dinâmicas sociais que compõem o cenário de atuação da norma jurídica. A Sociologia do Direito, por exemplo, é fundamental por estudar como as leis são aplicadas na prática, revelando frequentes disparidades entre o texto legal e sua execução. Isso fica evidente nas políticas públicas de segurança, em que abordagens policiais seletivas afetam majoritariamente a população negra e periférica. Tal disparidade só pode ser compreendida a partir de uma análise social e histórica que considere as estruturas racistas que, infelizmente, ainda moldam nossa sociedade.

    Por sua vez, a Antropologia, remetendo novamente a frase de Montesquieu, traz a visão da diversidade cultural na aplicação da lei. A demarcação de terras indígenas é um tema jurídico que não pode ser dissociado das dimensões antropológicas, sociais, políticas e históricas que o permeiam. O debate em torno do marco temporal, tese que restringe os direitos territoriais indígenas às terras efetivamente ocupadas até 1988, não pode ser analisado sem o contexto histórico da expulsão dos indígenas de suas terras. Ignorar esse aspecto é perpetuar injustiças, assim comprovando como os Estudos Sociais são essenciais na interpretação, aplicação e formulação do Direito.

    A Ciência Política aprofunda a análise do Direito também como fruto da disputa de poder. A aprovação de leis não é um processo neutro e técnico, mas sim um processo advindo de interesses de forças econômicas e políticas. Exemplos recentes no Brasil são as tentativas de enfraquecer as leis ambientais para o fortalecimento do agronegócio, mostrando como o sistema jurídico é também moldado por pressões econômicas. A compreensão das dinâmicas de poder é essencial para uma atuação jurídica crítica, que saiba não apenas ler o código, mas também ter a noção de quem é o beneficiado e quem é o prejudicado em cada ação.

    Outro exemplo da importância do estudo social na aplicação de normas legislativas, é o fenômeno do “punitivismo”, muitas vezes impulsionado por discursos midiáticos e populistas, fenômeno que considera a punição severa como solução para frear o aumento da criminalidade no Brasil, ignorando as causas sociais que contribuem para o aumento da criminalidade. Por isso é dever do legislador conhecer a sociedade a qual ele legisla, pois o Direito sem Ciência Social resulta em perpetuação da desigualdade e violência.

    Sem uma base de estudos sociais, o Direito pode tornar-se uma disciplina puramente formal e idealista, além de distante da vida real. O jurista, sem essa base, ignora os contextos sociais e aplica a norma de forma mecânica, sem considerar o impacto concreto dessa aplicação. Portanto, sim, as Ciências Sociais não são apenas úteis ao jurista, são fundamentais para que o Direito cumpra sua função social de garantir igualdade e justiça.


Eduardo Cavalcante Seghese Neto - 1° Direito Noturno

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