Definida como a garantia da livre manifestação de opiniões e convicções, sem qualquer tipo de represália ou retaliação, a liberdade de expressão é um dos pilares fundamentais que sustentam qualquer Estado Democrático de Direito. Entretanto, a utilização dessa premissa torna-se inválida quando passa a ser utilizada por terceiros como mecanismo para exaurir as instituições desse sistema. Nesse contexto, diante da atual pandemia global de coronavírus (covid-19), deve-se examinar como o atual mandatário do Poder Executivo da República Federativa do Brasil, Jair Messias Bolsonaro, sob a justificativa de estar assegurado pelo direito da liberdade de expressão, confronta o pensamento técnico-científico, utilizando fatos inverídicos para legitimar suas ações errôneas que, além de não possuírem nenhuma base epidemiológica evidente, nada são proveitosas para a superação da maior crise sanitária mundial do século XXI.
A princípio, constata-se que, da mesma maneira que uma parcela do ramo empresarial, o Presidente Bolsonaro está apenas preocupado com as futuras consequências econômicas que serão ocasionadas pela adoção do isolamento social por parte da população, principal medida de prevenção da doença, proposta por notórios médicos infectologistas, bem como outros chefes de Estado, e como isso afetará sua tentativa de reeleição para o cargo que atualmente exerce, em 2022. Com o intuito de esmaecer tal recomendação, advinda de procedimentos científicos realizados por especialistas da área de saúde, e, dessa forma, favorecer seu projeto político, Bolsonaro, nas últimas semanas, tem feito afirmações infundadas acerca do coronavírus. A título de exemplo, no final de março, Bolsonaro declarou que a transmissão da covid-19 em lotéricas é impossível, visto que o vidro que compõe as mesmas é blindado. Calha outro exemplo: sem nenhum embasamento epidemiológico, no dia 12 de abril, o Presidente anunciou que “vê a covid-19 começando ir embora”, sendo que o pico de casos da doença, de acordo com profissionais do Ministério da Saúde, é esperado para o mês de maio a junho, estimulando que a população descumpra medidas de prevenção à transmissão do vírus orientadas por vários municípios e estados do país antes do momento correto para, assim, a paralisação econômica em curso ser interrompida.
Ademais, infere-se que, quando suas falas, desvirtuadas da verdade, são questionadas, por exemplo, pela imprensa, o Presidente Bolsonaro utiliza-se de garantias promulgadas pela Carta Magna, como a liberdade de expressão, para afrontar a ciência e validar suas inverdades. Quando publicações de Bolsonaro realizadas no Twitter foram apagadas pela própria rede social, por “propagar conteúdos contra informações de saúde pública de fontes oficiais e, assim, colocar pessoas em maior risco de transmitir a covid-19”, seus apoiadores, com auxílio do chamado Gabinete do Ódio, que atua dentro do próprio Palácio do Planalto, disseminaram que a respectiva empresa realizou atos de censura e que isso é inadmissível, segundo a Constituição Federal. Entretanto, nenhum cidadão, tampouco um chefe de Estado, pode usar dessa garantia para colocar a vida de milhões de pessoas em risco, o que enfatiza o uso ilícito do direito como procedimento para fasear o pensamento técnico-científico. Vale ressaltar que o emprego do direito como meio para enfrentar a ciência diante da epidemia vigente é um fenômeno que vem ocorrendo globalmente. No Turcomenistão, por exemplo, a utilização da palavra “coronavírus” foi proibida no local, o que certamente dificulta a emissão de pareceres científicos acerca da patologia no referido país.
Com isso, torna-se evidente, além da notória ausência de bases epidemiológicas científicas na realização de ponderações errôneas, todo o cinismo de Jair Messias Bolsonaro ao utilizar o direito como ferramenta de propagação da desinformação. A propósito, a liberdade de expressão está sendo justamente o motivo pelo qual a Procuradoria-Geral da República tem arquivado pedidos de medidas contra Bolsonaro, o que salienta que, infelizmente, a utilização do direito como mecanismo para confrontar a ciência perpetuará até o final da pandemia, a não ser que as instituições do Estado Democrático de Direito finalmente exerçam suas obrigações constitucionais, com a instauração de providências para conter esses absurdos, como um processo de impeachment.
Luís Arquimedes Takizawa Albano - Direito Noturno
Nenhum comentário:
Postar um comentário