A questão homoafetiva no Brasil
é complicada. Temos uma população marginalizada por boa parte da
sociedade, apenas por sua orientação sexual. Essa marginalização,
quando somada ao regime democrático, onde por meio do voto,
pretende-se dar voz à sociedade na área política, temos como
resultado o reflexo nas instituições decisórias de um pensamento
que abarca a maior parte da mesma sociedade. Esse pensamento pode ser
traduzido em uma incessante vontade de reprimir as liberdades
alheias, como a de compra e consumo de substancias julgadas
impróprias (como se alguém tivesse o poder de decidir o que cada um
pode ou não consumir) ou até mesmo a afetiva ou sexual (como se
alguém tivesse a autoridade de ditar com qual sexo cada ser humano
deve se relacionar). Isso, além de rasgar completamente os textos
iluministas, como os de Locke, ainda é um grave atentado aos
Direitos Humanos, quando se assimila que a base desses direitos é a
dignidade da pessoa humana, conseguida aqui com o direito de se
relacionar com quem a faz bem.
Nesse sentido, tendo as
instituições de democracia-direta trancadas por um grupo de
políticos reacionários, a solução encontrada por esse conjunto de
pessoas marginalizadas foi a judicialização. Esse termo significa,
na visão do ministro do Supremo Tribunal Federal, Luiz Roberto
Barroso, que algumas decisões de grande apelo social são decididas
pelos tribunais, e não pelos órgãos tradicionais, como o congresso
nacional e os poderes executivos, graças ao travamento que as mesmas
sofrem nos respectivos órgãos. O judiciário, dessa forma, é o
lugar onde as demandas sociais encontram espaço. A judicialização,
então, se exprime como a última tentativa de uma classe que não se
vê representada no âmbito legislativo, de conseguir que a sua
liberdade de afeto seja respeitada e acolhida de forma oficial pelo
Estado.
Assim foi feito: Recentemente o
Supremo Tribunal Federal, ao ser provocado, julgou a equiparação
da união homossexual à heterossexual. Dessa forma, reconheceu a
união estável homoafetiva no âmbito civil, dando-lhes suporte de
diversas prerrogativas exclusivas, até então, do núcleo familiar
composto por heterossexuais.
A judicialização, nesse caso,
cumpriu o seu papel segundo Barroso. Escreve o ministro que, nos
últimos anos uma crescente crise de representatividade, legitimidade
e funcionalidade do legislativo alimentou a expansão do judiciário
nessa direção. Entretanto,
as forças repressoras não se calam frente ao ativismo judiciário
nas decisões de cunho progressista. Em 2013, o Conselho Nacional de
Justiça aprovou uma
resolução que proibia cartórios de negar a celebração de um
casamento de homossexuais. Atitude mais óbvia quando levamos em
conta princípios humanos que remontam às lutas iluministas, como
o da igualdade, foi questionada na Comissão de Direitos Humanos no
mesmo ano, na época presidida pelo Deputado Marco Feliciano, famoso
por seus discursos mais reacionários pautados na sua religião. Foi
aprovado um projeto que susta a obrigatoriedade por parte dos
cartórios de realizar o casamento civil entre pessoas do mesmo sexo.
Os
argumentos de que uma judicialização significa a interferência do
poder judiciário em áreas que cabem somente ao legislativo ou
executivo não é válido. Vários motivos podem ser apontados para
sustentar essa afirmação. Em primeiro lugar, a ação do juiz é
pautada na norma, ou seja, ele só está fazendo valer direitos que
já se encontram presentes, mesmo que nas vísceras das leis. Como
Barroso defende, o magistrado busca a justiça na sua decisão à luz
dos elementos do caso concreto, pautando-se no Direito posto.
Essa efetividade das leis é o que os movimentos sociais buscam hoje.
Essas organizações tomaram conta do judiciário para que, por meio
dele, eles sejam reconhecidos. Outro ponto é a legitimidade da
decisão, por exemplo, a do STF em relação à união estável. A
legitimidade acontece a partir do momento em que eles estão se
pautando em normas elaboradas por representantes do povo, além do
que, os mesmos foram escolhidos e sabatinados pelos tais
representantes, ou seja, existe ai a legitimidade popular na ação
do órgão.
É evidente que a questão LGBT
não se resume à conquista do casamento gay. O problema do
preconceito existe e deve-se buscar maneiras que,
pelo menos, diminuam a
incidência de sua manifestação, quando esta
causa prejuízos à dignidade ou à
integridade dessa parcela da sociedade. A questão é que isso
somente poderá ser feito com o auxílio do poder legislativo e
executivo, já que cabe ao judiciário apenas promover soluções com
base nos princípios e nas regras estabelecidas pelo ordenamento
vigente. Entretanto, os avanços que esse órgão de aplicação
legislativa promoveu devem ser comemorados e
incentivados. No momento em que temos um congresso que não apresenta
a vocação para discutir essa matéria, acionar os magistrados é o
efeito natural, legítimo
e, por vezes, funcional para a parcela vítima do cerceamento da sua
manifestação oficializada do afeto humano.
Guilherme Araujo Morelli Costa 1°Ano - Noturno
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