"Olhos nos olhos, preste atenção
Olha a ocupação
Só ficou você, só restou você
Uivo louco, sangue em choro
Pra agradar opressão"
- Criolo
Em
2004, pessoas sem teto estabeleceram-se em certa região da zona sul
da cidade de São José dos Campos, formando uma comunidade conhecida
por Pinheirinho. Tal terra pertencia à Naji Nahas, e, portanto, à
sua empresa Selecta Comércio e Indústria S.A que constava na
categoria de massa falida. Nesse panorama, uma marcante disputa foi
travada, durante 7 anos, entre os ocupantes e a indústria; esta
requerendo o direito à propriedade privada, aqueles à moradia
digna.
Entretanto,
a situação não se resume meramente a esse embate. Durante o
trâmite do processo, é notável uma diversidade de enfrentamentos,
com menor escalão, mas que contribuíram para o arcabouço geral de
decisões e aplicações – corretas ou incorretas – de leis.
De
um lado da moeda ocorria a ocupação. Pessoas em situação de
miséria, sem seus direitos resguardados (como preveem tanto a
Constituição, quanto os diversos Tratados Internacionais assinados
pelo Brasil), construíram naquela região uma comunidade bem
organizada, dando aquela terra função social. Realizavam
Assembleias cotidianamente, trabalhavam e produziam em um ambiente
próprio, que fora formado seguindo todas as normas urbanísticas; o
índice de mortes entre aquelas 1.600 famílias era mísero. A
bandeira para a Pinheirinho ser regularizada como núcleo
habitacional já havia, inclusive, sido levantada. Tal utopia com
possibilidades de concretização, não passou de efeito Cinderela: a
realidade organizada da comunidade divergia da movimentação do
processo de reintegração.
Marx,
ainda no século XIX, expôs a sociedade como conflituosa, sempre
resultado da luta de classes. À luz de sua teoria, utilizando termos
marxistas, a empresa de Naji Nahas, transfigurar-se-ia em burguesia,
e a comunidade do Pinheirinho em proletariado. Isso porque, visto a
conclusão do caso estudado, ou seja, a dizimação de Pinheirinho,
ficou comprovado a existência de uma classe dominante, que
utilizando meios burocráticos (e a força física, traduzida pela
PM), infringiu a legalidade, a fim de privilegiar-se em detrimentos
da classe menos favorecida. A realidade portanto, para Marx, só
poderia ser compreendida pela condição material, o que mostrou-se
contundente no desfecho do caso.
A
locução “meios burocráticos” faz jus aos acontecimentos
decorrentes da atuação do sistema judiciário no caso. Muitas leis
foram ignoradas, algumas transgredidas, uma questão hierárquica foi
posta. A juíza, juízes, o desembargador e a Defensoria Pública,
tiveram meios para decidir o caso com real senso de justiça,
imparcialidade. Isso porque, o Estado possui os elementos favoráveis
e desfavoráveis para julgar ambas as partes. A legislação é
justa, defende a propriedade privada, mas também o direito à
moradia, a proteção aos Direitos Humanos, reguarda a Dignidade da
Pessoa Humana, e proíbe atos de tamanha violência como vistos no
massacre. Nesse ínterim, acordos poderiam ter sido feitos e maiores
diálogos empreendidos, a situação poderia ter sido melhor
administrada, não fosse a ganância e o interesse de classe que
acabou engendrando as decisões em detrimentos das legislações, do
direito.
Conseguinte
a isso, a dialética hegeliana pode ser explorada. Para Hegel, o
Estado Moderno constituiria o ápice racional das nações. O
direito, e não a força, mediaria as relações sociais. A liberdade
seria a lei; em suas palavras: sinal de evolução. Considerando a
Constituição brasileira, como uma das mais a frente de seu tempo,
estaria, portanto, cumprindo com os preceitos previstos por Hegel.
Remetendo, assim, ao caso Pinheirinho, o direito, para Hegel, poderia
ter sido a postura correta para a solução do litígio, visto a
qualidade de todos como sujeitos de direito. O que comprova a
instabilidade, como resultante exclusiva do manejo dessas leis, por
pessoas que deixaram de aplicá-las em favor da vontade particular.
Esse é o outro lado da moeda e tem seu “valor” moral apagado.
Ana
Flávia Toller – Sociologia do Direito – Aula 1 – Marx e Hegel
(O direito como instrumento de dominação político-social)
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