Desde as Ordenações Filipinas,
aplicadas no Brasil, percebia-se certa perseguição aos homossexuais, o que se intensificou
com a expansão lusitana, juntamente com o Tribunal do Santo ofício e o Concílio
de Trento. Ou seja, desde os primórdios a questão da homossexualidade foi
tratada de maneira cruel, com severas punições. Posto isto, e tendo em vista a
sociedade atual, o Poder Público deve atuar cada vez mais no sentido de erradicar a discriminação e o preconceito aos homossexuais.
Dessa forma, tem-se como necessário a busca
ininterrupta de igualdade material, justiça social e solidariedade entre os indivíduos, juntamente com a proteção dos mesmos, impedindo a violação de seus direitos fundamentais, principalmente, dos
que vivem sob orientação sexual minoritária.
Uma vez
que a homossexualidade é um fato da vida. Uma característica da personalidade
do indivíduo. Uma orientação e não uma opção sexual. Indivíduos que seguem uma
orientação sexual diversa da maioria da população, na realização de seus modos e
projetos de vida, constituem relações afetivas e de assistência recíproca, em
convívio contínuo e duradouro com pessoas do mesmo sexo. Assim, não é correto
imaginar, na sociedade ainda encharcada de preconceitos, tantas pessoas que “escolhessem”
voluntariamente um modo de vida descompassado das concepções morais da
maior parte da coletividade, sujeitando-se, à discriminação e, por vezes, ao
ódio e à violência. Na verdade, a única opção que o homossexual faz é pela
publicidade ou pelo segredo das manifestações exteriores desse traço de sua
personalidade. Dessa forma, alijando-se da plenitude do exercício de suas
liberdades.
A partir disto, tem como sabido que as uniões homoafetivas encontram
amparo na Constituição e no direito infraconstitucional. Porém, resta saber qual o tratamento jurídico a ser conferido, se a estas deve ser
estendido o tratamento jurídico dado à união estável entre homem e mulher, de
modo a proteger os direitos da minoria, assegurados na Carta Magna, agindo
contra-majoritariamente. Nesse ínterim, conforme expõe o jurista Barroso, estas
precauções são tomadas para evitar a criação de um modelo juriscêntrico e
elitista: o Direito deve agir em nome da Constituição e das leis, e não por
vontade política própria; o poder que exerce é representativo, por isso deve
estar em sintonia com o sentimento social, muitas vezes, tendo os juízes que atuar
de modo contra-majoritário, de modo garantir a conservação e a promoção dos
direitos fundamentais, concretizando a democracia.
Nesse contexto, adentram os
direitos fundamentais da vida, de personalidade, da liberdade, da expressão, da
autonomia de vontade, da vida privada e da igualdade de oportunidades, reunidos
na dignidade da pessoa humana. Assim, em busca da solidificação de tais
prerrogativas, julgamentos envolvendo o tema se avolumam, onde se pode colocar
o tema do ativismo judicial e da judicialização, conceitos propostos pelo
jurista Luís Roberto Barroso, envolvendo também a análise do art. 1723 do
Código Civil Brasileiro e o art. 226, §3 da Constituição Federal, de onde
resulta a possibilidade ou não do reconhecimento da união homoafetiva como uma
família. Uma vez que, se não abarcada pelo ordenamento, a questão recairá em
discriminação, intolerância e preconceito, os quais se materializam em
violência física, psicológica e moral contra os que preferem a homoafetividade,
que nada mais fazem além de constituir relações que se caracterizem por sua
durabilidade, continuidade, além do propósito ou verdadeiro anseio de
constituição de uma família. Igualmente como todas as outras.
Precipuamente, deve-se tomar o
conceito de família como categoria sociocultural e princípio espiritual.
Partindo disto, pleiteia-se um reconhecimento do direito subjetivo de
constituir família, e uma interpretação não-reducionista, uma vez que a Constituição de 1988, ao utilizar-se da
expressão “família”, não limita sua formação a casais heteroafetivos. Com efeito, a ordem instituída em 1988,
funcionalizou o conceito de família: verifica-se que o centro da tutela
constitucional se desloca do casamento para as relações familiares dele (mas
não unicamente dele) decorrentes; e que a milenar proteção da família como instituição
depende da dignidade de seus membros, no que concerne ao desenvolvimento da
personalidade dos integrantes bem como de seus direitos fundamentais, de modo
que, independentemente de sua formação – quantitativa ou qualitativa. Ou seja, não há a preservação do modelo
biparental, sendo o que caracteriza ontologicamente uma família é: o amor familiar, a comunhão e a identidade.
Na
verdade, a partir de uma primeira leitura do texto magno, é possível identificar,
pelo menos, três tipos de família, a saber: a constituída pelo casamento, a
configurada pela união estável e, ainda, a que se denomina monoparental (como entidade familiar a comunidade formada
por qualquer dos pais e seus descendentes). Tendo isto em vista, a união
homossexual também poderia ser vista com um quarto gênero, a qual pode ser
deduzida a partir de uma leitura sistemática do texto constitucional e,
sobretudo, diante da necessidade de dar-se concreção aos princípios da
dignidade da pessoa humana, da igualdade, da liberdade, da preservação da
intimidade e da não discriminação por orientação sexual aplicáveis às situações
sob análise.
Além do mais, as uniões estáveis formadas por
homossexuais não são proibidas e estão na realidade, por isso, devem entrar no
rol normativo também. Uma vez que o Judiciário não é mais acrítico e mecânico, admitindo-se
certa criatividade dos juízes no processo de interpretação da lei, sobretudo
quando estes se deparam com lacunas no ordenamento jurídico. Partindo de tais
ideias do também professor Barroso, o rol de entidades familiares, definido no
art. 226 da Constituição, pode ser declarado como exemplificativo, dada a natureza aberta das normas constitucionais.
Para tanto, é essencial que se considere a evolução da família a partir de seus
aspectos civis e constitucionais, e, também, na repersonalização das relações
familiares, tornando as demais entidades familiares como tipos implícitos
incluídos no âmbito de abrangência do conceito amplo e indeterminados de
família indicado no caput. Como todo conceito indeterminado, depende de
concretização dos tipos, na experiência da vida, conduzindo à tipicidade
aberta, dotada de ductibilidade e adaptabilidade.
No que
tange ao reconhecimento, tem-se que
diferenciação social entre heterossexuais e homossexuais está fundada em uma
ordem de status social, com padrões culturais institucionalizados que
consideram a heterossexualidade como natural e normativa e a homossexualidade
como perversa e desprezível. O resultado é considerar gays e lésbicas como
seres inferiores, gerando uma exclusão e marginalização da vida social e
política, como um todo. Esses danos são nada mais que injustiça advinda do
não-reconhecimento pelas leis e pela sociedade, uma vez que a ausência de
vedações legais não é suficiente para assegurar a igualdade material e o silêncio normativo
catalisa a clandestinidade das relações homoafetivas. Desse modo, uma política
de reconhecimento admitiria a diferença entre os indivíduos e traria para a luz
relações pessoais de um segmento da sociedade que vive no “escuro”, ao invés de
forçar os homossexuais a viver de modo incompatível com sua personalidade, uma
vez que suas relações familiares merecem um tratamento que o ordenamento
jurídico confere aos atos da vida civil praticados de boa-fé, voluntariamente e
sem qualquer potencial de causar dano às partes envolvidas ou a terceiros.
Tal questão
do reconhecimento também toca o
tema da segurança jurídica: o
alheamento do direito positivo relativamente às uniões homoafetivas gera
insegurança para os indivíduos; em relação á planos de saúde, testamentos e
etc. Reconhecimento, portanto, é certeza e previsibilidade. As uniões
homoafetivas, uma vez equiparadas às uniões estáveis entre heterossexuais,
permitirão aos indivíduos homossexuais planejar suas vidas de acordo com as
normas jurídicas vigentes, prerrogativa que se espera de uma ordem jurídica
comprometida com a proteção dos direitos fundamentais, como é a brasileira.
Nesse sentido, o que cabe é a
submissão do art. 1.723 (“Art.
1.723. É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a
mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida
com o objetivo de constituição de família”) do Código Civil
brasileiro à técnica da “interpretação conforme à Constituição” , na medida em
que isto se fundamente na principiologia
constitucional: princípio da Igualdade; princípio da Liberdade; princípio da Dignidade
da Pessoa Humana; princípio da Segurança Jurídica e o princípio da
Razoabilidade ou da Proporcionalidade. Caso contrário, estar-se-ia diante de um
mero preconceito ou m autoritarismo moral. Ou seja, levando tais princípios em
conta, quase que a Constituição como um
todo, conspira a favor dessa equalização da união homoafetiva em relação à
união estável.
Além disso, tendo em vista o
inciso II do art. 5º da Constituição Federal: “todos são iguais perante a lei”
e “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em
virtude de lei”, de onde sai a máxima“tudo que não estiver juridicamente proibido,
ou obrigado, está juridicamente permitido. Ou seja, cabe o desempenho de tais funções sexuais ao
livre arbítrio de cada pessoa devido ao silêncio normativo. Não há qualquer inconstitucionalidade ou ilegalidade no estabelecimento
de uniões homoafetivas.
Salienta-se,
ainda, que não se há de objetar que o art. 226, § 3º, constituiria obstáculo à
equiparação das uniões homoafetivas às uniões estáveis heterossexuais, por
força da previsão literal (“entre homem e mulher”). Seria perverso
conferir a norma de cunho emancipatório interpretação restritiva lógica que se
há de estender ao art. 1.723 do Código Civil. Em relação a isto, deve-se propiciar-lhes
jurisdicidade na situação fática em que elas se encontram para que possam ser a
pretensão da equiparação da união homoafetiva à união estável, através de uma
interpretação conforme a Constituição.
Em
suma, o melhor é se interpretar de acordo com a constituição, uma vez que ela
carrega valores e princípios que devem se materializar na realidade, os quais
estão muito além dos propostos pelo Código Civil. Outrossim, o que explica é
esse “homem e mulher”, é a interpretação constitucional levando em conta
palavras, valores e épocas; não mais compatíveis hodiernamente. Com a
democracia, os direitos fundamentais à liberdade, igualdade, humanidade devem
ser devidamente garantidos, de modo a impor a tolerância e a convivência
harmônica de todos, com integral respeito às livres escolhas das pessoas. Além
de que, não é possível que em um texto que assegure liberdades também a tire; o
que seria antidemocrático em uma Constituição democrática, na qual aqueles que
fazem opção pela união homoafetiva não podem ser desigualado em sua cidadania,
visto que ninguém pode ser tido como cidadão de segunda classe porque, como ser
humano, não aquiesceu em adotar modelo de vida não coerente com o que a maioria
tenha como certo ou válido ou legítimo.
Desse
modo, tendo em conta os pensamentos de Barroso e a existência de um vácuo
normativo, o que é ocorre e reger uma realidade social de acordo com essa
vontade, ainda que de forma provisória, ou seja, até que o Parlamento lhe dê o
adequado tratamento legislativo. Isso se dá através de, como proposto pelo autor,
um ativismo judicial: escolha de um modo específico e proativo de interpretar a
Constituição, expandindo seu sentido e alcance de maneira proativa, permitindo o acompanhamento às demandas da
sociedade, que esta em constante processo de mudança rumo a uma democracia
totalmente inclusiva. O que pode ser feito numa perspectiva estritamente
analógica, aplicando-a naquilo que coubesse, naquilo que fosse possível, se
inserindo em uma participação mais ampla e intensa do Judiciário na
concretização de valores e fins constitucionais. Nesse contexto, é possível
contatar uma aproximação das características e finalidades da união homoafetiva
com as demais formas de entidades familiares e a sua compatibilidade, a priori,
com os fundamentos constitucionais da dignidade da pessoa humana, da liberdade,
da autodeterminação do desenvolvimento do individuo, da segurança jurídica, da
igualdade e da vedação à discriminação por orientação sexual, apontando para a
possibilidade de proteção e de reconhecimento jurídico da união entre pessoas
do mesmo sexo. Nesse caso, o art. 226,
§3, deve ser usado como uma maneira de inclusão, daí a importância da atuação
dos tribunais para que se assegure uma interpretação constitucional que engloba
os seus mais diversos aspectos, sobretudo, os direitos fundamentais. Impedindo,
assim, uma concepção restritiva no que diz respeito à união estável.
Andando
junto com o ativismo judicial, a questão também pode ser inserida no contexto
de judicialização, também invocado pelo autor citado, uma vez que devido à uma crise de
representatividade do Executivo, e dificuldades em relação a legitimidade e
funcionalidade no âmbito do Legislativo, tem alimentado a expansão do Judiciário
nessa direção, com a prolação de decisões que suprem omissões e, por vezes,
inovam na ordem jurídica. Os interessados angustiados recorrem então ao Judiciário,
buscando uma solução. Para Barroso: “A Constituição deve
proteger valores e direitos fundamentais, mesmo que contra a vontade
circunstancial de quem tem mais votos. E o intérprete final da Constituição é o
Supremo Tribunal Federal. Seu papel é velar pelas regras do jogo democrático e
pelos direitos fundamentais”. Segundo ele,
é positivo que o Judiciário esteja atendendo demandas da sociedade que não
puderam ser satisfeitas pelo Parlamento, visto que a omissão do judiciário
agravaria a de falta de proteção de minorias ou de desproteção de pessoas que
estão tendo os seus direitos lesionados. Daí nasce à importância do Judiciário,
do Supremo Tribunal Federal em ser o intérprete final da Constituição, seu
papel é velar pelas regras do jogo democrático e pelos direitos fundamentais,
funcionando como um fórum de princípios e não de política.
Ademais, o ambiente democrático
reavivou a cidadania, dando maior nível de informação e de consciência de
direitos a amplos segmentos da população, que passaram a buscar a proteção de
seus interesses perante juízes e tribunais. A redemocratização fortaleceu e
expandiu o Poder Judiciário, bem como aumentou a demanda por justiça na
sociedade brasileira, envolvendo questões de largo alcance político, como a implementação
de políticas públicas ou escolhas morais em temas polêmicos. Tendo isto em vida, a judicialização não é
um risco para a legitimidade democrática, mas sim a posição majoritária o é, pois
o modo como age restringe o englobamento pela norma de novas circunstâncias
presentes na realidade atual, ignorando direitos fundamentais e indo contra a
um Estado democrático de direito.
Portanto, o que se cabe é uma
valorização do pluralismo em uma busca do direito de autoestima e felicidade á
todos os grupos sociais, focado no propósito de reconhecer relações jurídicas horizontais
para todas as tipologias do gênero humano. Assim, se valida o reconhecimento da
união entre parceiros do mesmo sexo como uma nova forma de entidade familiar,
com todos os direitos e deveres assegurados, desde que atendidos os requisitos
exigidos para a constituição da união estável entre homem e mulher. Para isso,
é preciso que o Direito siga a evolução da sociedade, disciplinando as
disciplinas já existentes que geram efeitos juridicamente importantes, como a união homoafetiva, a qual também se inclui no
conceito constitucionalmente adequado de família, inexistindo razão para
tratamento diferenciado.
Nesse
contexto, figura a ideia proposta por Konrad Hesse, em “A Força Normativa da
Constituição”: uma mudança das relações fáticas pode – ou deve – provocar
mudanças na interpretação da Constituição. Dessa maneira, se concretizará a
isonomia, impedindo que os homossexuais sejam obrigados a um padrão moral
pré-estabelecido, aumentando sua legitimação socialmente e atingindo o objetivo do “Constitucionalismo
fraternal” (modelo de “Teoria da Constituição” adotado pelo Brasil): políticas
públicas afirmativas da fundamental igualdade civil-moral (mais do que
simplesmente econômico-social) dos estratos sociais historicamente
desfavorecidos e até vilipendiados (nesse caso os homoafetivos).
Logo, a tendência mundial é a crescente afirmação
dos direitos das uniões homoafetivas. Enquanto a lei não acompanha a evolução
da sociedade, a mudança de mentalidade, a evolução do conceito de moralidade, ninguém,
muito menos os juízes, pode fechar os olhos a essas novas realidades, até que a
pressão dos fatos acaba por gerar certa aceitação de situações antes
repudiadas. Finalmente, para a concretização normativa do assunto é preciso à
participação de todas as esferas do poder: executivo, legislativo e judiciário como
agentes transformadores da realidade.
Maria Izabel Afonso Pastorii- 1º Ano- Direito Noturno.