A ideia de Grada Kilomba denuncia a estrutura dos
conhecimentos científico e jurídico tradicionais, fundados no positivismo de
Comte, ao demonstrar como a marginalização de minorias, tanto em suas
existências quanto em seus pensamentos, permanece atual. Dessa forma, fica
claro que a ordem dominante é um instrumento das elites para controlar o que é
conhecimento válido e quais vozes devem ser ouvidas. Por fim, essa denúncia nos
convida a questionar: o mundo está fora da ordem ou a ordem está fora do mundo?
Para responder, é preciso analisar a estrutura positivista vigente e as
reivindicações que a desafiam.
Primeiramente, é preciso considerar que o colonialismo, através do positivismo jurídico e científico, que pregava uma hierarquização do conhecimento profundamente eurocêntrica, instituiu um direito colonial que legitimava a escravidão e a dominação dos povos colonizados. Nesse contexto, mesmo após as independências das colônias, os sistemas jurídicos mantiveram-se estruturados para privilegiar as antigas elites colonizadoras. Além disso, o conhecimento só é valorizado quando provém da Europa ou de sujeitos brancos, como evidenciado nas dinâmicas acadêmicas. Sobre isso, Kilomba afirma em Memórias da Plantação: episódios de racismo cotidiano: "O centro acadêmico não é um local neutro. É um espaço branco onde o privilégio de fala tem sido negado às pessoas negras. Historicamente, este é um espaço onde estivemos sem voz e onde acadêmicos brancos desenvolveram discursos teóricos que nos construíram formalmente como o 'Outro' inferior, colocando africanos em subordinação absoluta ao sujeito branco." Esta análise revela como a ordem contemporânea foi construída para desvalorizar, excluir e silenciar minorias, sejam negras, indígenas, queer ou outros grupos marginalizados.
Ademais, essa ordem não apenas se afirma como superior, mas também garante seus interesses econômicos, como evidenciado na sistemática negação da proteção ambiental. Dados do Carbon Majors Report (2017), amplamente divulgados, revelam que apenas 100 empresas são responsáveis por 71% das emissões globais de gases de efeito estufa desde 1988, demonstrando como essa elite mantenedora da ordem prioriza o lucro, mesmo que isto custe o equilíbrio ambiental global. Nesse sentido, a análise de Kilomba aplica-se profundamente a essa dinâmica: não apenas na existência dessa ordem, mas em seu modo de operação. Como a autora demonstra, o colonialismo tratava tanto os povos colonizados quanto seus territórios como bens exploráveis, e, como nossa sociedade tem fortes raízes nessa lógica, a elite continua explorando e poluindo o mundo à vontade. Para esses grupos de poder, o planeta é meramente mais um recurso a ser consumido e descartado.
Portanto, ao compreender como a ordem, através da visão
positivista, assegurou sua soberania pela hierarquização do conhecimento,
desvalorizando povos não brancos, e perpetuou sua dominação mediante um direito
nascido no contexto colonial de exploração predatória, fica claro que essa
ordem está fora do mundo. Isso porque, mesmo com grandes movimentos por
equidade, o racismo, a homofobia e outros preconceitos contra tudo que difere
do homem cis heterossexual branco ainda persistem. Além disso, as
reivindicações populares por redução da poluição, que são urgentes para evitar
uma calamidade ambiental global, continuam sendo ignoradas. Isso fica evidente
na declaração do presidente Lula sobre a exploração de petróleo na foz do rio
Amazonas: "Não é que eu vou mandar explorar. Eu quero que seja explorado.
Agora, antes de explorar, temos que pesquisar". Essa fala revela não apenas
a tendência de flexibilização das leis ambientais, mas também como a exploração
permanece como objetivo político, mesmo que seja ligada a estudos prévios. Esse
cenário demonstra como o direito ambiental é reinterpretado para servir aos
interesses econômicos da elite. Sendo assim, a ordem está fora do mundo.
Rafael Constâncio Cuvice - Direito norturo 1º ano
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