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domingo, 6 de abril de 2025

Ora Apolo, Ora Dionísio

    Friedrich Nietzsche, célebre filósofo alemão, divide as ações humanas em duas esferas: a apolínea, ilustrada pela ordem e pela razão, e a dionisíaca, fundada na desordem e na irracionalidade. Para além do campo filosófico, torna-se evidente a marcante dicotomia no que diz respeito aos empreendimentos da humanidade na contemporaneidade. É possível perceber que, se por um lado, glorifica-se o uso da razão apolínea nos feitos técnicos e científicos que, em teoria, trariam o progresso - justificando, assim, o acelerado ordenamento social que não caminha aos moldes do mundo como conhecemos -, por outro, a ignorância irracional dionisíaca leva ao esquecimento das verdadeiras prioridades, criando um mundo que, diante das mais diversas questões humanitárias, encontra-se, de fato, fora da ordem. 

    Aceleradores de partículas, estações espaciais, edifícios com centenas de metros de altura, aviões supersônicos: tais símbolos do avanço tecnocientífico, utilizados principalmente como exemplificação do elevado nível do progresso e desenvolvimento da sociedade, são frequentemente citados pelos meios de comunicação na exaltação das novas e brilhantes invenções. Sob tal óptica, como consequência, cria-se a falsa imagem de uma civilização que estaria no ápice de seu desenvolvimento, guiada pela razão apolínea e fundada na edificação de uma sociedade perfeita. Nesse sentido, já no século XIX, o pensador positivista europeu Augusto Comte defendia propriamente tal visão de mundo, tomando o avanço técnico como maior motor da civilização - em que, ao atingir o estado positivo e hierarquizar as ciências, estaria no apogeu de seu desenvolvimento. Paralelamente, o lema “Ordem e Progresso”, inscrito na bandeira do país verde-amarelo, erroneamente, pode reforçar essa mentalidade de que as novas invenções (progresso) criarão um mundo devidamente racional e justo (ordeiro). 

    Essa falsa ideologia de elevado progresso tecnológico leva a crer que a ordem, formada por racionalidade e progresso que caminham desenfreadamente, encontra-se fora do mundo, visto que tamanho é seu avanço - a ponto de estar muito além do cotidiano daqueles que apenas a observam. Todavia, é factual que, conquanto a ordem seja o princípio criador de diversas e úteis máquinas e construções, predomina, para a maior parte do mundo, a mais dionisíaca desordem. Na infame realidade, o mundo contemporâneo está fora da ordem, uma vez que o caos social perpetuado pela desigualdade, pela exclusão e pelo silenciamento de vozes que clamam por assistência, é distanciado da glória dos colisores de prótons suecos, dos monumentais prédios de Dubai e dos mais tecnológicos satélites espaciais.

    Guerra Israel-Palestina, crise dos refugiados sírios, desigualdade racial nos Estados Unidos, crise humanitária na Venezuela, pobreza extrema na África Subsaariana, desigualdade de gênero no Afeganistão: ao olhar maquinal do capitalismo financeiro, relativizam-se gritantes desigualdades. É claro, portanto, as dionisíacas mazelas sociais e humanitárias vivenciado pela parcela da população, tão distante dos feitos progressistas. À luz do exposto, evidencia-se o dilema da contemporaneidade, composto simultaneamente do avanço surpreendente das técnicas e da miséria deprimente dos marginalizados. Por fim, concretiza-se a dicotomia da ordem do mundo - ora apolínea, ora dionisíaca. 

Texto realizado com base na proposta "Um mundo fora da ordem ou uma ordem fora do mundo?". 
Amanda Caroline Vitorasso - Direito (Matutino). 

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