Já faz certo tempo que postei um texto analisando a
figura na classe média no capitalismo e essa análise me deixou reflexivo no que
tange a dominação entre burguês e proletariado, principalmente por uma parcela
considerável acreditar que os direitos trabalhistas da CLT (Consolidação das
Leis do Trabalho) são ferramentas que, na verdade, atrapalham. Pode-se usar,
como exemplo, o movimento anarco-capitalista (ou ANCAP) que, por mais que
tenham virado motivo de ridicularização nas redes sociais, insistem em confirmar
a tese de que, na realidade, o Estado não deveriam existir, somente as empresas
capitalistas deveriam reger a vida social de todos.
Ainda que sejam um grupo pequeno, esse tipo de pensamento
me incomoda. Essas características se assemelham muito com o inicio do
capitalismo, nas revoluções industriais, onde praticamente não havia nenhum
tipo de legislação trabalhista e o trabalho era praticamente escravo, sem
regulamentação de horas, sem salário mínimo, sem indenizações por danos físicos,
simplesmente nada. O trabalhador mais parecia um escravo do que um assalariado,
apesar de praticamente ganhar nada. E é essa figura que me assusta quando
grupos ANCAP afirmam que o Estado não é necessário. Como que iriam sobreviver
esses trabalhadores? Fazendo greves? Como eles iriam fazer greves se o
empresário pode demitir todos que participarem e contratar novos mais “comportados”?
Acredito que precisamos montar um modelo dessa relação
social. Um modelo ideal. Não, um tipo ideal, como propunha Max Weber, que propunha
uma essa ideia justamente para estudo. Estabelecer, no plano ideal e perfeito,
mas objetivo, uma construção mental que racionaliza todas (ou a maioria) as
variações de possibilidades do real. Assim posto, o primeiro elemento que me
chama atenção (e que já fora citado anteriormente), e a diferença de poder
existente entre o burguês e o operário. Um deles possui os meios de produção,
tudo aquilo que é necessário para todo o comercio: as máquinas e a matéria
prima. Mas essa personagem não tem quem controlar as maquinas. Para isso tem-se
o operário. Parece (note que não usei o termo “é”) uma relação igual. Parece
que só a presença de um contrato de duas páginas e nenhuma lei são necessários para
firmar uma boa e segura relação entre ambos. O problema é que as regras do
capitalismo se aplicam a essa relação também, principalmente porque força de
trabalho também um produto a ser vendido (uma espécie de mercantilização do
indivíduo) e, como bem se sabe, quanto maior a disponibilidade, menor o preço. E
é assim que se forma essa relação. O burguês vai pagar o mínimo possível para
seus empregados visto que, se ele não aceitar, há quem queira.
Além disso, a corrente filosófica do iluminismo também acaba
propondo algumas justificativas do trabalho assalariado, principalmente pelo
movimento econômico do liberalismo. A ideia de um Estado mínimo que não
interfira na economia (e nas relações de trabalho) e a de livre-mercando,
regulando-se a si próprio, também se refletem nessa venda de mão de obra. “Ora,
o salário miserável pago aos trabalhadores é apenas resultado das concorrências,
não se pode culpar o patrão por buscar um produto barato” disse o liberal. Esse
baixo salário foi tendo sua visibilidade alterada ao passar do tempo por uma
visão burguesa, obviamente. Viu-se necessário o aumento do mercado consumidor
e, para isso, os trabalhadores também precisam consumir. Essa busca por consumidores
foi uma das influências da abolição da escravidão no Brasil, por exemplo.
Também se notou necessário uma articulação religiosa, um
formulador da moral coletiva. Nesse aspecto, nenhuma doutrina fora mais
importante do que o calvinismo, um movimento teológico protestante que teve
importância fundamental para essa mudança no paradigma do trabalho. João
Calvino, fundador desse movimento, afirmava que sua vida eterna já estava predefinida
por Deus, que sabe de todas as coisas, e uma das formas de se saber esse tal
resultado é através da prosperidade do indivíduo. Ora, para se alcançar essa
prosperidade, é necessário que o indivíduo trabalhe, e trabalhe muito.
São essas três relações sociais, formando um tipo ideal
que se renova atualmente. O burguês, o trabalhador, a moral religiosa e a
economia. Todos esses elementos ressurgiram com algumas situações e certos
movimentos. O Movimento Brasil Livre (MBL), por exemplo é um dos representantes
desse pensamento neoliberal, creditando ao Estado toda a culpa por todos os prejuízos
econômicos existentes. O próprio presidente Jair Bolsonaro foi um desses ícones,
tutelado por Paulo Guedes a aplicar o modelo neoliberal que havia sido estruturado
no Chile e que dera muito certo (ou quase isso). Obviamente há diversas formas
de resistência no que tange esse tipo ideal: o ludismo do século XVII por
exemplo, ou os sindicatos, ou os grupos socialistas, mas não se pode negar o
Estado não pode simplesmente sumir. Na verdade, podemos ver o que acontece
quando um novo recurso surge e o Estado ainda não é capaz de regulamenta-lo no
caso do entregador Thiago de Jesus Dias, que sofreu um Acidente Vascular
Cerebral (AVC) em 2019 e a empresa Rappi
para a qual trabalhava não forneceu nenhum tipo de suporte, apenas solicitou o
cancelamento das viagens programadas dele. Esse é o novo operário do século XXI.
Murilo de Oliveira Botaro - 1° Ano Direito Noturno
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