O Judiciário passa de um
poder que tem um caráter, até a década de 1980, técnico-jurídico para um perfil
jurídico-político. Essa mudança, ao menos no ambiente nacional, faz com o que o
poder em questão passe a agir como um meio pelo qual as grandes transformações
atuam. Luís Roberto Barroso define o fenômeno da judicialização como um
processo onde questões de grande repercussão político-social estão previamente
decididas pelo corpo do poder judiciário, e não pelas instâncias legislativas e
executivas. Como consequência, tem-se a passagem do comando para os juízes e os
tribunais, implicando em alterações pontuais na linguagem e na argumentação e,
principalmente, no modo de integração e participação social.
Tal protagonismo é
desencadeado, segundo o autor, por estímulos da própria sociedade: não são os
magistrados que impulsionam esse processo; o que há é uma resposta por parte
deles a este corpo social que não se vê representado pelas alçadas tradicionais
(partidos políticos, sindicatos, parlamento, por exemplo). Outro ponto a ser
analisado é a grande transfiguração que ocorre na passagem para o século XXI,
com o surgimento de novos atores sociais e demandas além daquelas geradas pela
luta de classes. Manifestam-se reivindicações relacionadas à identidade sexual,
religiosa, étnica – um amplo novo rol de elementos que não constitui apenas o
antagonismo capital e trabalho. Os movimentos sociais, bem como os grupos com
novos interesses, com a insatisfação perante as instâncias usuais, recorrem ao
judiciário; esse poder passa a ter como equivalência um espaço de
representação. A estrutura e a dinâmica sociais mudaram, porém as respostas a
tais novos requerimentos permaneceram estagnados em décadas passadas, gerando,
como consequência, essa busca por representantes em outros ambientes.
Especialmente no
Ocidente após a Segunda Guerra, constitucionalizam-se questões específicas de
demandas sociais; a invocação do judiciário passa a se sustentar na
legitimidade. No caso brasileiro, esse anseio por mecanismos de proteção social
se revela com a Constituição Federal de 1988. Ao mesmo tempo em que há essa
crise de representatividade e legitimidade do poder legislativo, o judiciário
amplia sua importância; nos últimos anos, por exemplo, as decisões mais
pontuais advêm deste poder (cotas raciais, pesquisas com células-tronco, etc.).
É importante destacar, porém, que esse deslocamento na representação não é algo
acidental, fortuito: a nova delegação é feita a partir dos principais ensejos da
vida social que se encontram constitucionalizados – um apelo para que a forma
da lei se torne efetiva.
Mais que o aspecto
puramente formal, a Constituinte foi redescoberta pelos movimentos sociais como
um espaço de condução de sua luta. Isso demonstra a dinâmica exterior que o
fenômeno da judicialização possui, não referindo-se meramente ao judiciário. Têm-se,
então, os dois carros-chefes: além da incapacidade de certas instituições em
representar as novas demandas, com a expansão de políticas neoliberais, há uma
natureza cada dia mais contratual nas relações sociais. Todavia, no contexto
atual, constata-se um processo de traço paradoxal: se, por um lado, é exigido
esse combate e essa força por parte do poder judiciário, por outro, também é
desejável o refortalecimento das instituições, principalmente, no que diz
respeito à profissionalização da burocracia estatal.
Entrando no mérito do
ativismo judicial, associa-se a interpretação do texto normativo com a participação
mais ampla do judiciário, de forma com que este estenda tanto o sentido quanto
o alcance dos valores constitucionais. Como afirma Barroso, há consequências
negativas que ambos os fenômenos acarretam: o sistema jurídico brasileiro se
sobrecarrega ainda mais; além disso, a neutralidade dos três poderes pode ser
colocada em xeque com questionamentos por uma parcela descontente com as
decisões – seria um risco à legitimidade democrática ao limitar a atuação dos
outros dois poderes.
O caso estudado em
conjunto à temática da “Democracia, Judicialização e Ativismo Judicial” é a ADI
nº 4.277/DF, que aborda a união homoafetiva, pretendendo seu reconhecimento
como instituto jurídico e, principalmente, o tratamento constitucional dessa
instituição familiar. Com encampação dos fundamentos presentes na ADPF nº
132/RJ, foi reconhecido, com unanimidade, a isonomia da união homoafetiva perante
à heteroafetiva, além de sua instituição como entidade familiar. O julgado se
correlaciona ao fenômeno da judicialização exposto anteriormente pelo protagonismo
que o poder judiciário exerceu nesta resolução: com a intervenção do Supremo
Tribunal Federal neste pleito envolvendo amplo alcance social e político,
competiu a esse poder trazer o debate acerca de um tema divergente na sociedade
brasileira e, principalmente, avaliar tal questão à luz dos direitos
fundamentais.
Isabelle Elias Franco de Almeida
1˚ ano, direito
(noturno) – aula 2.2
Nenhum comentário:
Postar um comentário