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domingo, 6 de novembro de 2016

Análise da implementação da política de cotas no Brasil



O presente texto tratará da implantação e consequências da implementação da política de cotas (principalmente da “racial”) em instituições de ensino públicas no Brasil. Centraremos em três eixos básicos, o primeiro será introdução e contextualização histórica, o segundo será uma analise da questão pela ótica, do jurista e intelectual, Boaventura de Souza Santos e o terceiro será manterá a argumentação, mas através de outras perspectivas.
O Brasil durante mais de três séculos (primeiro como colônia e depois como Estado independente) permitia a utilização da mão de obra escrava. Os primeiros a sofrerem com essa prática foram os nativos e depois os africanos deslocados a força (a inclusão do trabalho escravo africano não extinguiu o dos indígenas que continuou predominante em regiões afastadas).
Em 1888, foi promulgada a Lei Áurea que extinguiu o trabalho escravo, todavia, faltou um plano de inclusão dos libertos na sociedade. Criando um elevado contingente de indivíduos que vivam na pobreza e que não lhes eram oferecido condições mínimas para terem seu sustento.   
Foi imposta pelos governos brasileiros, dos séculos XIX e XX, uma política para embranquecer a população. Para isso foi patrocinando a vinda de imigrantes, principalmente de regiões conflituosas da Europa, para ocupar os antigos opostos nas fazendas e na nascente indústria. Mesmo com uma aceitação melhor na sociedade e conseguirem uma relativa ascensão, muitos dos imigrantes também ficaram na marginalidade.
Essa questão continua presente até a atualidade. Em 1988, promulga-se uma nova constituição que expressamente garante que entre os objetivos da República Federativa do Brasil está “erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais”[1]. Então é obrigação do Estado propor e implementar medidas que atinjam esse fim.
Entre as alternativas adotadas está a Lei nº 12.711/2012, conhecida como Lei de Cotas, que reservava 50% das vagas em universidades e institutos federais para certos grupos, sendo assim feita a divisão:

“serão subdivididas — metade para estudantes de escolas públicas com renda familiar bruta igual ou inferior a um salário mínimo e meio per capita e metade para estudantes de escolas públicas com renda familiar superior a um salário mínimo e meio. Em ambos os casos, também será levado em conta percentual mínimo correspondente ao da soma de pretos, pardos e indígenas no estado, de acordo com o último censo demográfico do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).”[2]

Partindo-se então do princípio de que aqueles que ao concluírem o ensino superior os indivíduos de baixa renda terão condições de conquistarem cargos com maiores salários no mercado.
Apesar de realmente ser uma política de inclusão que visa à redução da desigualdade, ela não tende a concretizar os objetivos iniciais.
A sociedade surgiu a partir de um contrato social que deveria atender as demandas básicas e estabelecer restrições para garantir sua manutenção. Mas na modernidade esse contrato está em crise, pois a desigualdade levou a exclusão de parcelas significativas da população. No Brasil devido ao passado escravista quem mais sofre com essa questão são os afrodescendentes.
Então seria necessário um novo contrato que realmente atenda as demandas, ou seja, que seja capaz de formar uma sociedade com menos desigualdade. Dificilmente as cotas teriam essa capacidade.
No primeiro semestre de 2016, através do Sisu[3] foram oferecidas aproximadamente 228 mil vagas em instituições públicas (federais e estaduais) de ensino superior, então obedecendo a Lei de Cotas, metade delas serão destinada aos cotistas.[4]
Conclui-se então que 50% das vagas serão disputadas por aproximadamente 82,7% alunos (percentual de alunos do ensino médio no ensino público, em 2014, segundo o IBGE[5]), claramente demonstrando que praticamente não se alterará a realidade brasileira, visto que existem poucas vagas quando comparada com a demanda e assim o contrato social continuará defasado.
Alega-se que as cotas seriam uma alternativa a predominância das elites nas universidades públicas, mas isso não significaria necessariamente o fim de sua influência, visto que existem renomadas universidades particulares. Além de terem condições de se aperfeiçoar e tornarem-se mais competitivos no mercado de trabalho através de ferramentas não oferecidas nas universidades públicas ou são restritas (cursos pagos, intercâmbios, entre outras).
O atual contexto leva Boaventura alegar que a principal luta deve ser contra o capital e a política de cotas não se mostrou eficaz contra esse adversário.
A política de cotas pretendia a inclusão pelo consumo, ou seja, capacitar o indivíduo para o mercado e assim ele ter condições de se sustentar. O que acaba sendo benéfico para o mercado, que sempre está a serviço da classe dominante. E pode ocasionar a diminuição da qualidade do ensino público, que é voltado para ensino, pesquisa e extensão e para facilitar a ascensão financeira o foco deverá mudar o ensino voltado para o mercado.
Também beneficia o mercado a instabilidade, mesmo com as cotas a maioria da população de risco continuará nessa condição. Então apesar de ser uma forma não hegemônica de exercer o direito, está beneficiando a classe dominante ao manter a instabilidade com uma sensação maior de estabilidade (afinal as costas foram comemoradas como uma grande conquista).  
Com o avanço do neoliberalismo, tende-se a existir uma menor regulamentação do mercado e maior exploração do trabalhador, com o aumento nas negociações diretas. Passando a ser questionável a melhoria da qualidade de vida através de um emprego que exige ensino superior.
As cotas visam incluir no sistema, não questionando o número de vagas nas universidades públicas e não questiona a qualidade do ensino básico e médio, dessa forma não podendo ser considerada uma medida emancipatória, pois não discute os problemas em suas origens.
Agora continuarei a argumentação, mas me afastando do professor Boaventura e focando em outros aspectos.
Um dos principais exemplos para justificar a política de cotas, principalmente da “racial” foi que essa prática já era existente nos Estados Unidos há algumas décadas. Entretanto esses métodos já estão sendo questionáveis, sofrendo restrições[6] e em algumas localidades (com tendência para se expandir) sendo extintas[7], já que não surtiu os efeitos esperados.
O contexto nos Estados Unidos e no Brasil é diferente, o ingresso nas universidades norte americanas está atrelado a uma entrevista, enquanto nas brasileiras o critério é somente a aprovação em prova. Se o entrevistador for adepto de teorias eugênicas a imparcialidade está comprometida e na aplicação da prova o corretor não sabe de quem está corrigindo, sendo nesse caso difícil questionar a imparcialidade.
Visando conseguir um ingresso de forma mais fácil nas instituições de ensino público, candidatos vêm se declarando, principalmente, negros e pardos. Pouco pode se fazer a respeito, pois o sistema pede a “auto declaração”, o que é difícil, visto que a miscigenação existente é provável que muitos indivíduos tenham antecedência nesses grupos, mesmo que não aparenta fisicamente. 
Instituições, de forma polêmica, tentam estabelecer quais são as características físicas para poder ser cotista[8]. Tal prática se aproxima das existentes durante o apartheid na África do Sul, que dividiam as supostas “raças”.
Para o ingresso no ensino universitário público é necessário, inclusive para os cotistas, conseguir um mínimo de pontuação, mas infelizmente existe uma grande defasagem entre os ensinos (fundamental e médio) públicos em comparação aos particulares. Levando a ociosidade de vagas[9], pois elas não podem ser disputadas pela ampla concorrência, sendo um desperdício dos recursos públicos e para a sociedade que não terá esses profissionais formados.  
Meritocracia pode ser definida

“como um sistema ou modelo de hierarquização e premiação baseado nos méritos pessoais de cada indivíduo. A origem etimológica da palavra meritocracia vem do latim meritum, que significa “mérito”, unida ao sufixo grego cracía, que quer dizer “poder”. Assim, o significado literal de meritocracia seria ‘poder do mérito’”.[10]

Medidas que visem atingir esse princípio estarão acarretando em injustiças, visto que o fato de alguém ter tido melhores condições para se dedicar aos estudos, não significa que não seja merecida a vaga.
Após a formação educacional o normal é a tentativa de ingressar no mercado de trabalho e as cotas não necessariamente irão auxiliar nessa questão, já que podem selecionar pelos próprios critérios os funcionários.
Ao utilizar o termo “racial” presume-se que os seres humanos possam ser divididos em raça, o que é uma falácia, só a utilização desse termo já pode ser considerado racismo. A comprovação vem do Projeto Genoma Humano, que ao sequenciar a maior parte do DNA humano permitiu afirmar

que mesmo com as diferenças físicas entre as pessoas, a espécie humana é única. Assim, não importa se sua pele é negra, branca, parda; se seus olhos são arredondados ou puxados; se seus cabelos são lisos, crespos, pretos ou loiros – todos fazemos parte da mesma espécie.”[11]

Conclui-se que as cotas (sociais e “raciais”) dificilmente atingirão seus objetivos revolucionários, pois em um cenário mais próximo do brasileiro (nos Estados Unidos) não funcionou e está sendo debatida sua diminuição.  Isso se deve a ela não enfrentar completamente a raiz do problema (marcado, capital, elite, entre outros) e não garantir que após a diplomação os beneficiários conseguiram uma mudança revolucionária em suas condições. E em certos casos essa política até ajuda aqueles que seriam os causadores da desigualdade, formando mão de obra e impondo uma educação mercadológica nas universidades.

João Pedro Costa Moreira 1º Ano Direito Noturno











[1] Art. 3º, inciso III, CF.
[2] MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. Perguntas Frequentes (3ª Pergunta). Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/cotas/perguntas-frequentes.html>. Acesso em: 4 de nov de 2016.
[3] Existem instituições de ensino público que não aderiram ou aderiram parcialmente ao Sisu, todavia, por esse concentrar a maioria delas o utilizamos como parâmetro.
[4] G1. Sisu tem lista de vagas abertas para consulta; nota do ENEM sai nessa sexta feira. Disponível em: <http://g1.globo.com/educacao/noticia/2016/01/estudantes-ja-podem-consultar-vagas-disponiveis-do-sisu-2016.html>. Acesso em: 4 de nov de 2016.
[5] G1. Cai o total de alunos na rede pública, apontam dados da Pnad 2014. Disponível em: <http://g1.globo.com/educacao/noticia/2015/11/cai-o-total-de-alunos-na-rede-publica-apontam-dados-da-pnad-2014.html>. Acesso em: 4 de nov de 2016.
[6] BBC BRASIL. Decisão da Suprema Corte restringe cotas raciais nos EUA. Disponível em: <http://www.bbc.com/portuguese/noticias/story/2007/06/070628_racaescolaseuafn.shtml>. Acesso em: 5 de nov de 2016.
[7] G1. Justiça dos EUA valida proibição de cotas raciais em universidade. Disponível em: <http://g1.globo.com/mundo/noticia/2014/04/justica-dos-eua-valida-proibicao-de-cotas-raciais-em-universidade.html>. Acesso em: 5 de nov de 2016.
[8] G1. Após polêmica, IFPA retira trechos de edital sobre aparência para cotistas. Disponível em: <http://g1.globo.com/pa/para/noticia/2016/09/apos-polemica-ifpa-retira-trecho-de-edital-sobre-aparencia-para-cotistas.html>. Acesso em: 5 de nov de 2016.
[9] MORENO, Ana Carolina; LUIZ, Gabriel. MEC vai criar seleção para reduzir as vagas remanescentes na graduação. Disponível em: <http://g1.globo.com/educacao/noticia/2015/12/mec-vai-criar-selecao-para-reduzir-vagas-remanescentes-na-graduacao.html>. Acesso em: 6 de nov de 2016.
[10]SIGNIFICADOS. Significado de meritocracia. Disponível em: <https://www.significados.com.br/meritocracia/>. Acesso em: 5 de nov de 2016.  
[11] CARVALHO, Leandro. Projeto Genoma Humano e a espécie humana. Disponível em: <http://historiadomundo.uol.com.br/curiosidades/projeto-genoma-e-a-especie-humana.htm>. Acesso em: 6 de nov de 2016.

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