Total de visualizações de página (desde out/2009)

quinta-feira, 3 de setembro de 2020

A adversidade do déficit habitacional sob a ótica weberiana

De acordo com o sociólogo alemão Max Weber, a noção naturalista do direito, em seu estado material, de que o ser humano possui garantias inatas, as quais não podem ser suprimidas, foi e é utilizada para legitimar a existência de correntes revolucionárias. À vista disso, para o pensador que viveu durante a transição do século XIX para o século XX, as reivindicações burguesas que foram consubstanciadas pelas revoluções Americana (1775) e Francesa (1789) tiveram como justificativa o  pensamento iluminista de filósofos como John Locke e Jean-Jacques Rousseau, em que, por exemplo, a garantia de propriedade é considerada inerente a todos os seres humanos. Entretanto, após a conquista definitiva do poder político pela burguesia com os processos revolucionário citados, o direito, segundo Weber, que antigamente era preconizado em seu estado material pela nova classe dominante, converteu-se para seu estado formal, abandonando os princípios naturais de liberdade para, desse modo, satisfazer apenas o “tipo ideal” das condutas desejadas no capitalismo, o que fez com que a ordem jurídica passasse a ser utilizada como um instrumento de dominação do sistema instaurado. Por consequência disso, no contexto brasileiro contemporâneo, justamente devido ao desvirtuamento do direito na preconização da garantia de propriedade como sendo algo inerente a todos os seres humanos empregado pelo sistema capitalista, é amplamente notório a vigência da adversidade do déficit habitacional, no qual, condicionado pela ordem jurídica corrente, há a existência de milhares de pessoas que vivem em condições de rua.

Primeiramente, constata-se que, validada pelo direito brasileiro por ser uma determinação do capitalismo, a especulação imobiliária é um dos principais fatores do déficit habitacional no Brasil. Essa modalidade de investimento, regulada pelo Estatuto da Cidade (Lei n° 10.257/200), consiste no ato em que pessoas naturais e jurídicas de alto poder financeiro adquirem diversos imóveis na expectativa de revendê-los apenas quando esses forem valorizados pelo mercado, ou seja, por um preço maior do que foram comprados. Dessa maneira, diversas pessoas de baixa renda ficam impossibilitadas de adquirirem tais imóveis, retirando a função social de possíveis moradias e acarretando na manutenção de indivíduos em condições precárias de habitação, o que expressa a supressão da garantia de propriedade como sendo algo inerente a todos os seres humanos, a qual era, antes dos processos revolucionários do século XVIII, sob o pretexto do direito natural material, uma demanda legítima da burguesia quando essa estava subjugada aos interesses da aristocracia. Portanto, nesse cenário, identifica-se a derrogação de um princípio que era considerado essencial anteriormente, para, visando atingir fins econômicos, atender apenas as reivindicações da classe dominante, em detrimento de necessidades básicas do próprio gênero humano, no caso da temática em questão, de uma moradia digna. Em consequência disso, a título de exemplo, no início de 2020, a Prefeitura de São Paulo registrou um aumento de 53% da população paulistana de rua entre os anos de 2015 e 2019, apontando que 24.344 pessoas moravam nas vias públicas da cidade. 

Contudo, para Weber, a dominação capitalista exercida pela ordem jurídica, ainda que hegemônica, não é totalmente plena. Conforme o sociólogo alemão, a conjuntura de dominação plena é rara. Desse modo, utilizando o direito natural material como subterfúgio, de que a garantia de propriedade é considerada inerente a todos os seres humanos, coletivos sociais de esquerda que são contrários ao “tipo ideal” do capitalismo vigorante, como o MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto), promovem ocupações ilegais para a ordem jurídica corrente, porém autenticadas no campo da moral pelo jusnaturalismo, à imóveis desocupados, muitos frutos da especulação imobiliária, para garantir moradias dignas à indivíduos em situação de rua e, assim, minimizar os impactos da dominação capitalista vigente, sobretudo a adversidade do déficit habitacional.


Luís Arquimedes Takizawa Albano - Direito Noturno


Referências bibliográficas:


POPULAÇÃO de rua na cidade de SP aumenta 53% em 4 anos e chega a 24 mil pessoas. G1, 2020. Disponível em: <https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/2020/01/30/populacao-de-rua-na-cidade-de-sp-chega-a-mais-de-24-mil-pessoas-maior-numero-desde-2009.ghtml>. Acesso em: 3 de set. de 2020.


Nenhum comentário:

Postar um comentário