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sábado, 26 de maio de 2018

Forma de superar as desigualdades


        Em 1988, com a promulgação da Constituição Federal, o cerne do Estado Democrático de Direito torna-se a instituição de garantias e direitos fundamentais, civis e políticos. A Carta Magna, nesse sentido, é denominada Cidadã, pois se incorpora um modelo de constitucionalismo social, em que, no que diz respeito à igualdade, o Estado deve “tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais na medida de sua desigualdade”. Desse modo, a fim de agir em favor dos grupos desfavorecidos, passa a ser imprescindível ao governo fomentar a criação e aplicação de políticas públicas eficientes. Tal função, todavia, a qual deveria estar circunscrita ao Legislativo e Executivo, não é absolutamente exercida. Por esse motivo, Luís Roberto Barroso, jurista e atual ministro do Superior Tribunal Federal, afirma que “uma persistente crise de representatividade, legitimidade e funcionalidade no âmbito do Legislativo tem alimentado a expansão do Judiciário nessa direção, em nome da Constituição, com a prolação de decisões que suprem omissões e, por vezes, inovam na ordem jurídica, com caráter normativo geral.” A essa maior atuação do Poder Judiciário nas questões de larga repercussão, em razão da inércia dos outros dois Poderes, dá-se o nome de Judicialização.
            Nesse contexto, a partir da declaração do magistrado supracitado, nota-se que a Judicialização não perpassou uma escolha ideológica e sistemática da própria Corte. Ao contrário, foi transferida naturalmente, pela redução do exercício dos representantes democráticos e pela adoção de um modelo constitucional abrangente a várias interpretações, ao órgão judiciário, expandindo o seu poder e a demanda por parte da população. Dentro desse viés, Ingeborg Maus critica essa transmissão de responsabilidades, afirmando que se trata de uma postura infantil, e que, por conseguinte, há a permanência da confiança popular na atuação da Justiça brasileira com base na crença de que o Judiciário possui maior funcionalidade em detrimento dos Poderes Executivo e, principalmente, Legislativo.
            Vale-se ressaltar, após o exposto, que o Direito torna-se um recurso para discussões políticas atuais, sendo utilizado, juntamente com a Corte, como um instrumento para as lutas sociais. Destarte, o tema das cotas raciais, por exemplo, sendo uma das grandes questões contemporâneas e de pouco debate no meio Legislativo, foi conduzido, pelo partido dos Democratas, até o Superior Tribunal Federal, o qual alegou inconstitucionalidade na instituição, pela Universidade de Brasília, de 20% das vagas para os estudantes negros. No entanto, a maioria dos ministros julgaram improcedente tal Arguição sob inúmeras justificativas, dentre elas a transitoriedade das políticas afirmativas, o respeito à dignidade da pessoa humana, o estabelecimento de um espaço acadêmico plural e a aplicação da igualdade material como método de diminuir as desigualdades. Nesse sentido, ao tentar aproximar a igualdade formal de uma possibilidade (materialidade da igualdade), surgem duas problemáticas: é pertinente ao Judiciário decidir o que é igualdade? Houve ativismo judicial na decisão do STF? Torna-se necessário, portanto, com base em Ingeborg Maus e Luís Roberto Barroso, responder a essas indagações.
            No que tange à primeira questão, Maus vai dizer, de maneira crítica, que o Poder Judiciário possui a função de superego. Assim, tomando como fundamento que o Judiciário atua como superego da sociedade, isto é, como definidor de conduta e referência do que é moralmente correto, há de se afirmar que cabe ao aplicador do direito, ao empregar uma determinada solução ou definir um modo de comportamento, utilizar-se de uma interpretação moral ou ética orientadora (através do sistema de Cláusulas Gerais) quando se há vagueza ou abstração do termo inscrito na norma, até mesmo no que diz respeito à igualdade. No entanto, é válido salientar que, segundo a autora, tal “empoderamento” da Corte Constitucional pode gerar uma sociedade órfã, a qual depende da imagem paternal do Poder Judiciário para se aceitar, ou não, o que é moralmente correto. Logo, a legitimidade democrática do Legislativo sucumbe e o direito aplicado passa a ser aquele decidido pelos órgãos jurídicos.  
            Em segundo lugar, segundo o ministro Barroso, ativismo judicial é “a atitude, a escolha de um modo específico e proativo de interpretar a Constituição, expandindo o seu sentido e alcance”, ou seja, ocorre quando o Judiciário toma para si discussões do âmbito político, interferindo nas decisões. Desse modo, fio-me a afirmar que não houve ativismo judicial na tentativa de tentar aproximar a igualdade formal, prevista na Constituição Federal, de uma possibilidade material, haja vista que a Corte procurou apenas cumprir seu papel como interpretadora normativa, levando em consideração os fins sociais a que se dirige (art.5º da LINDB), após ter sido procurada por um partido político, que afirmava descumprimento de preceito fundamental. Portanto, caracteriza-se, somente, como um processo natural de Judicialização.
Diante disso, percebe-se a importância da Judicialização, no caso das cotas raciais, por exemplo, com o intuito de aplicar uma Justiça Distributiva ou Compensatória, que, de acordo com o voto do relator Ricardo Lewandowski no processo de ADPF, “permite superar as desigualdades que ocorrem na realidade fática, mediante uma intervenção estatal determinada e consistente para corrigi-las, realocando-se os bens e oportunidades existentes na sociedade em benefício da coletividade como um todo”, permitindo que não apenas as elites usufruam das vagas das universidades públicas, mas as minorias, como os negros, também.


Leonardo de Oliveira Baroni - Direito (Noturno).

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