Em
1988, com a promulgação da Constituição Federal, o cerne do Estado Democrático
de Direito torna-se a instituição de garantias e direitos fundamentais, civis e
políticos. A Carta Magna, nesse sentido, é denominada Cidadã, pois se incorpora
um modelo de constitucionalismo social, em que, no que diz respeito à
igualdade, o Estado deve “tratar igualmente os iguais e desigualmente os
desiguais na medida de sua desigualdade”. Desse modo, a fim de agir em favor
dos grupos desfavorecidos, passa a ser imprescindível ao governo fomentar a
criação e aplicação de políticas públicas eficientes. Tal função, todavia, a
qual deveria estar circunscrita ao Legislativo e Executivo, não é absolutamente
exercida. Por esse motivo, Luís Roberto Barroso, jurista e atual ministro do
Superior Tribunal Federal, afirma que “uma persistente crise de
representatividade, legitimidade e funcionalidade no âmbito do Legislativo tem
alimentado a expansão do Judiciário nessa direção, em nome da Constituição, com
a prolação de decisões que suprem omissões e, por vezes, inovam na ordem
jurídica, com caráter normativo geral.” A essa maior atuação do Poder
Judiciário nas questões de larga repercussão, em razão da inércia dos outros
dois Poderes, dá-se o nome de Judicialização.
Nesse contexto, a partir da
declaração do magistrado supracitado, nota-se que a Judicialização não
perpassou uma escolha ideológica e sistemática da própria Corte. Ao contrário,
foi transferida naturalmente, pela redução do exercício dos representantes
democráticos e pela adoção de um modelo constitucional abrangente a várias
interpretações, ao órgão judiciário, expandindo o seu poder e a demanda por
parte da população. Dentro desse viés, Ingeborg Maus critica essa transmissão
de responsabilidades, afirmando que se trata de uma postura infantil, e que,
por conseguinte, há a permanência da confiança popular na atuação da Justiça
brasileira com base na crença de que o Judiciário possui maior funcionalidade
em detrimento dos Poderes Executivo e, principalmente, Legislativo.
Vale-se ressaltar, após o exposto,
que o Direito torna-se um recurso para discussões políticas atuais, sendo
utilizado, juntamente com a Corte, como um instrumento para as lutas sociais.
Destarte, o tema das cotas raciais, por exemplo, sendo uma das grandes questões
contemporâneas e de pouco debate no meio Legislativo, foi conduzido, pelo
partido dos Democratas, até o Superior Tribunal Federal, o qual alegou inconstitucionalidade
na instituição, pela Universidade de Brasília, de 20% das vagas para os
estudantes negros. No entanto, a maioria dos ministros julgaram improcedente
tal Arguição sob inúmeras justificativas, dentre elas a transitoriedade das
políticas afirmativas, o respeito à dignidade da pessoa humana, o
estabelecimento de um espaço acadêmico plural e a aplicação da igualdade
material como método de diminuir as desigualdades. Nesse sentido, ao tentar
aproximar a igualdade formal de uma possibilidade (materialidade da igualdade),
surgem duas problemáticas: é pertinente ao Judiciário decidir o que é
igualdade? Houve ativismo judicial na decisão do STF? Torna-se necessário,
portanto, com base em Ingeborg Maus e Luís Roberto Barroso, responder a essas
indagações.
No que tange à primeira questão, Maus
vai dizer, de maneira crítica, que o Poder Judiciário possui a função de
superego. Assim, tomando como fundamento que o Judiciário atua como superego da
sociedade, isto é, como definidor de conduta e referência do que é moralmente
correto, há de se afirmar que cabe ao aplicador do direito, ao empregar uma determinada
solução ou definir um modo de comportamento, utilizar-se de uma interpretação
moral ou ética orientadora (através do sistema de Cláusulas Gerais) quando se
há vagueza ou abstração do termo inscrito na norma, até mesmo no que diz
respeito à igualdade. No entanto, é válido salientar que, segundo a autora, tal
“empoderamento” da Corte Constitucional pode gerar uma sociedade órfã, a qual
depende da imagem paternal do Poder Judiciário para se aceitar, ou não, o que é
moralmente correto. Logo, a legitimidade democrática do Legislativo sucumbe e o
direito aplicado passa a ser aquele decidido pelos órgãos jurídicos.
Em segundo lugar, segundo o ministro
Barroso, ativismo judicial é “a atitude, a escolha de um modo específico e
proativo de interpretar a Constituição, expandindo o seu sentido e alcance”, ou
seja, ocorre quando o Judiciário toma para si discussões do âmbito político,
interferindo nas decisões. Desse modo, fio-me a afirmar que não houve ativismo
judicial na tentativa de tentar aproximar a igualdade formal, prevista na
Constituição Federal, de uma possibilidade material, haja vista que a Corte
procurou apenas cumprir seu papel como interpretadora normativa, levando em
consideração os fins sociais a que se dirige (art.5º da LINDB), após ter sido
procurada por um partido político, que afirmava descumprimento de preceito
fundamental. Portanto, caracteriza-se, somente, como um processo natural de Judicialização.
Diante
disso, percebe-se a importância da Judicialização, no caso das cotas raciais,
por exemplo, com o intuito de aplicar uma Justiça Distributiva ou
Compensatória, que, de acordo com o voto do relator Ricardo Lewandowski no
processo de ADPF, “permite superar as desigualdades que ocorrem na realidade
fática, mediante uma intervenção estatal determinada e consistente para
corrigi-las, realocando-se os bens e oportunidades existentes na sociedade em
benefício da coletividade como um todo”, permitindo que não apenas as elites
usufruam das vagas das universidades públicas, mas as minorias, como os negros,
também.
Leonardo de Oliveira Baroni - Direito (Noturno).
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