O mundo atual estabeleceu-se como é hoje devido às diversas transformações culturais, sociais e econômicas pelas quais passou. Nesse sentido, contextos autoritários, como a ascensão dos regimes nazista e fascista na Europa Ocidental ou, até mesmo os dispositivos tecnológicos deixados pela Segunda Guerra, como a aviação e o GPS, impactaram – direta ou indiretamente – o modo de vida na contemporaneidade. Desse modo, como a harmonia (ordem) nunca passou de um estágio efêmero e talvez até localizado, percebe-se que através da réplica de práticas passadas pela sociedade, o mundo contemporâneo está fora da ordem porque o anterior também sempre esteve fora de seu próprio eixo.
Diante das razões que moldaram o mundo de hoje, precisamos identificá-lo enquanto um organismo econômico: trata-se de uma sociedade que está programada sobre a lógica capitalista, assim, as pessoas inserem – em sua maioria de modo inconsciente – o hiperconsumismo em seu cotidiano. Sob esse viés, o filósofo Lipovetsky, em “A Felicidade Paradoxal: Ensaio sobre a Sociedade do Hiperconsumismo" , analisa a sociedade assentada em um individualismo exacerbado e identifica um padrão marxista nas condutas consumistas: são colocadas em primazia diante dos relacionamentos interpessoais. E isso é o que Marx chama de "fetichismo da mercadoria", no qual os bens de consumo ultrapassam sua utilidade meramente prática e tornam-se bens axiológicos, ou seja, aqueles que representam valores, como status, capital intelectual, cultural e identidade. Assim, as teorias supracitadas dialogam fielmente à maneira pela qual a sociedade está fora de ordem, porque ela encontra-se enjaulada na própria futilidade mercadológica do consumo.
Como dito anteriormente, a normalidade sempre foi oscilante no curso da história, vigorando, portanto, uma desordem sistêmica e contínua. Para além disso, podemos encontrar a materialização dessa anormalidade em figuras contemporâneas trazidas pela banca palestrante. Como, por exemplo, Donald Trump e sua recém ascensão, na qual o jornal britânico "The Economist" chamou a nova era trumpista de "Era do Caos". De fato, as condutas tomadas pelo presidente norte-americano nos lembram práticas autoritárias que, embora estejam acontecendo sobre o aval de um sistema democrático, replicam ideais de exclusão e supremacia incongruentes com o século XXI. Seus discursos anti-imigração e falas negacionistas diante das mudanças climáticas inegáveis são sintomas de uma sistema econômico fadado ao próprio fracasso: o capitalismo e suas reverberações, como a futilidade mercadológica e o hiperindividualismo. Da mesma forma, o conflito "Israel-Palestina" ao escancarar as falhas dos órgãos internacionais em mediar tal questão, revela, novamente, um mundo que nunca chegou a estar, de fato, em ordem.
Surge, por fim, o questionamento que intitula a palestra: "Estamos no fim do mundo?" e a resposta é não. Embora o mundo jamais tenha experimentado uma ordem permanente, ainda sim, certas normas foram construídas com o propósito de serem dominantes e, portanto, privilegiarem grupos específicos em detrimento da marginalização de outros. Por isso, as cotas trans e o ecossocialismo representam, conjuntamente, maneiras de rompermos com a norma vigente que está baseada no hiperconsumo e no individualismo movidos pelos bens axiológicos. Somado ao rompimento, além de maneiras de subversão, elas também simbolizam a possível construção de uma ordem que não se comporte de maneira volátil e que seja capaz de abrigar os imigrantes, os palestinos, as urgências climáticas e as pessoas trans.
Texto referente à palestra promovida pelo Cadir.
Otávio Rodrigues Ferin - 1ºano Direito Noturno.
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