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segunda-feira, 4 de julho de 2022

O sangue dos que não se calaram

Max Weber, sociólogo alemão, foi imprescindível ao materializar a compreensão da sociologia, a qual se difere de uma ciência nomológica. Nesse viés, a concepção sociológica está vinculada a uma percepção da realidade factual, tornando-se objeto de aspiração. Logo, a compreensão sociológica corresponde a uma atribuição de uma explicação de cunho interpretativo que circunda a realidade, divergindo da nomologia.

Ademais, Max Weber consolida a perspectiva de ação social, tendo em vista que a condução da vida, protagonizada pelos indivíduos que compõem uma conjuntura coletiva, corresponde a uma integração de valores que dependem de uma construção histórica e cultural. Outrossim, o somatório de duas ações sociais revela uma complexa relação social consolidada por meio de uma competição anômica por vontades.

Do mesmo modo, o sociólogo analisa as matrizes do tipo ideal, conceito que está atrelado à racionalização do real e à noção do objetivamente possível. Logo, o tipo ideal de Weber representa uma referência que pleiteia a compreensão da realidade factual, seja ela um estereótipo idealizado ou um retrato real. Além disso, é notório ressaltar que os valores inerentes à ação social permeiam a gênese e a criação de um tipo ideal, visto que a construção cultural corresponde a um artifício basilar para a formulação dos valores supracitados.

Weber também analisa as matrizes teóricas de uma relação de dominação, tendo o exercício do poder como recurso intrínseco. Sendo assim, o sociólogo caracteriza o poder como a imposição da própria vontade em uma relação social, anulando e omitindo a manifestação da vontade de terceiros reprimidos socialmente. Sob essa ótica, a definição de dominação equivale a um relacionamento de obediência e de coerção, tendo, como consequência, a consolidação da legitimidade, aspecto que corrobora a aceitação da dominação, seja por motivos racionais ou por motivos atrelado ao carisma, compondo a concretização de um cabresto social. Portanto, a racionalização do poder e da dominação é materializada por meio do direito, o qual atribui uma expectativa de um tipo ideal vinculado a uma conduta desejada.

Ambientada no cenário brasileiro, a Ditadura de 1964 corresponde a um golpe executado pelos militares que não só infringiu a luta democrática, mas também transgrediu os direitos humanos devido às brutais torturas e aos impiedosos homicídios. O período ditatorial brasileiro é demarcado pela ininterrupta censura, violando a liberdade de expressão dos civis e silenciando todos os indivíduos que se opunham ao comportamento coercitivo dos ditadores e do exército. Nesse viés, como alternativa resolutiva vinculada à censura dos revolucionários, os militares impunham sua própria vontade por meio da exprobração inerente aos atos da vida civil, concretizando, no imaginário individual, uma admissão desse estado autoritário, e por meio da censura física, tendo em vista que a tortura, bem como o desaparecimento dos manifestantes, eram medidas que firmavam o poder dos militares e silenciavam os revolucionários.

Desse modo, a concepção weberiana de poder é elucidada pelo comportamento coercitivo do exército ditatorial, alicerçando a dominação representada pelos opressivos militares e consolidando uma relação de obediência protagonizada pelos oprimidos civis. Cabe salientar que a questão da legitimidade, conceito proposto por Weber, estava explícita em situações vinculadas à aceitação social da postura dominatória dos militares, visto que a ausência de contestação ou oposição à Ditadura legitimava o poder e a dominação dos ditadores. Entretanto, os guerrilheiros que desprezavam o opressivo comportamento militar são antagônicos à perspectiva de legitimidade weberiana, preterindo a dominação e renunciando a censura. É imprescindível ressaltar que os revolucionários que contestavam o cunho coercitivo ditatorial eram as principais vítimas desse sistema cruel e nefasto, sendo silenciados por meio da tortura e dos homicídios.

Portanto, a título de exemplificação, cabe reiterar a obra musical de Chico Buarque intitulada como “Cálice”. Sob essa perspectiva, o autor elucida, fazendo uso de metáforas ambíguas, como o regime autoritário é prepotente sobre os civis, tornando-os vítimas silenciadas pela dominação coercitiva executada pelos militares. Logo, no trecho “beber dessa bebida amarga” corresponde às dificuldades de viver nesse cenário autoritário e permanecer inerte nessa situação, sendo constantemente calado pelo exército. Em suma, beber do cálice de Chico Buarque correspondia ao ato de beber e usufruir do sangue dos indivíduos que lutavam contra a ditadura.

 

Pai, afasta de mim esse cálice
Pai, afasta de mim esse cálice
Pai, afasta de mim esse cálice
De vinho tinto de sangue

Pai, afasta de mim esse cálice, pai
Afasta de mim esse cálice, pai
Afasta de mim esse cálice
De vinho tinto de sangue

Como beber dessa bebida amarga
Tragar a dor, engolir a labuta
Mesmo calada a boca, resta o peito
Silêncio na cidade não se escuta

 

 


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