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sexta-feira, 4 de abril de 2025

Ordem e Regresso

Havia uma cidade distante, que aparentava quase um estado de utopia, essa era Ordemlândia, e nela tudo funcionava sempre com precisão e ordem. Suas ruas impecáveis, cidadãos disciplinados, edifícios perfeitamente simétricos, e em todos os bairros da cidade haviam sensores para garantir que as ruas estivessem sempre limpas, que os ruídos não ultrapassassem os decibéis permitidos e que cada pessoa se comportasse conforme o esperado, conforme a ordem. Além disso continham um governo que se orgulhava de seguir aquilo que acreditavam ser as "leis naturais da sociedade", e este levava a ferro e fogo o maior e mais incontestável lema da cidade estampado em cada esquina: "Ordem gera Progresso". Para todos a ordem que ali proliferava era positiva e ajudava no crescimento da cidade, e quem a cumpria ao pé da letra se tornava positivista, e subia até os mais altos cargos, para continuar espalhando o ideal. 


Hendrich, um pequeno sociólogo que buscava entender os fenômenos sociais de Ordemlândia, sempre achou a forma como o contexto fluía muito estranho. Quando era criança a cidade era totalmente diferente, ele se lembrava de um cenário mais caótico, mas também mais vivo, e agora, cada aspecto da vida era cuidadosamente gerenciado. No trabalho, ele investigava os "grupos desaparecidos", pessoas que, sem aviso, deixavam de existir nos registros da cidade. Muitos relatos falavam de trabalhadores informais, artistas não registrados, moradores de rua... Mas as autoridades sempre negavam: "Não existem desaparecidos, apenas aqueles que não se adaptaram ao progresso."


Hendrich decidiu assim investigar esse mistério. Percorrendo becos esquecidos e vasculhando registros apagados, encontrou algo perturbador: a cidade não apenas excluía pessoas, mas as tornava invisíveis. Os Sistemas automatizados bloqueavam acessos, tornavam seus documentos inválidos e eliminavam qualquer traço digital de sua existência, dessa forma aos olhos da Nova ordem, eles nunca haviam existido.


Chocado com isso, Hendrich decidiu ir além, buscando aqueles que haviam sumido completamente, e vasculhando e investigando pela cidade, achou num subterrâneo escondido entre construções antigas, uma comunidade inteira vivendo às sombras do progresso, exilados da sociedade. Havia músicos, artesãos, cuidadores, intelectuais... Pessoas que a cidade considerava "improdutivas" para o modelo científico de eficiência. Ali, sem vigilância e sem ordem imposta, a vida florescia de maneira autônoma e cheia de diversidade, sem regras que regessem cada passo e cada individualidade daqueles que naquele lugar viviam.


Ao retornar para a superfície, Hendrich percebeu que sua própria identidade também começava a desaparecer dos sistemas. Ele estava sendo apagado por questionar demais e querer fugir das amarras do progresso, mas antes que perdesse sua voz, escreveu e espalhou sua pesquisa clandestinamente. E assim, pequenos manifestos começaram a surgir, rabiscados nos muros imaculados da cidade:


"E se o progresso for apenas a ordem de quem pode ficar?"


A frase se espalhou, primeiro em sussurros, depois em protestos, e o sistema reagiu com mais ordem, oque dessa vez não foi o suficiente pois as ideias já estavam vivas, e ideias, diferente de pessoas, não podem ser apagadas.

A cidade continuava bela e organizada, mas agora, nas entrelinhas sabiam que algo diferente crescia, o progresso nunca mais seria visto da mesma forma, a diversidade estava aparecendo, e as vozes se levantando, e naquele chão perfeitamente liso e asfaltado, brotaram rachaduras por onde escapava a liberdade. 

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