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sexta-feira, 20 de novembro de 2015

Quando o Legislativo saí, o Judiciário entra

Em maio de 2011, o STF publicou a Ação Direta de Inconstitucionalidade 4277 que trata do reconhecimento da união homoafetiva como um instituto jurídico, através de um julgamento conjunto entre ministros. Ela é fundamentada pela ADPF (arguição de descumprimento de preceito fundamental) nº 132-RJ, aparelhada com pedido de medida liminar, proposto pelo Governador do Estado do Rio de Janeiro que negou, na época, o reconhecimento da isonomia entre casais heteroafetivos e pares homoafetivos, e assim, pedia a transformação da ADPF em Ação Direta de Inconstitucionalidade. Apesar da definição de união estável no art.1723 do Código Civil como casamento entre homem e mulher, não há nenhum significado ortodoxo ou técnico-jurídico para o termo família e, inclusive, a Constituição Federal não faz a menor diferenciação entre a família formalmente constituída e a existente entre cidadãos homossexuais.

Temos aí mais um caso de Judicialização, no qual o Poder Judiciário vem a intervir em uma questão própria do Poder Legislativo; enquanto a Constituição não discrimina ou determina a entidade familiar, há silêncio legislativo sobre as uniões afetivas. Esse silêncio acaba sendo uma máscara para a reprovação sobre esse tipo de união, que ainda persiste em nossa sociedade. O Judiciário se apresenta, nesse caso, como o instrumento de salvação dos homossexuais, uma vez que o desprezo às uniões homoafetivas é uma afronta direta a dignidade desses indivíduos, o que não pode ser permitido por uma Constituição como a nossa. Trata-se de uma lesão de preceitos fundamentais como igualdade, liberdade, dignidade da pessoa humana, segurança jurídica e vedação à discriminação odiosa.

Luís Roberto Barroso explica o fenômeno da Judicialização como decorrente do final da Segunda Guerra Mundial e do avanço do neoliberalismo. Há, nesse contexto, a evolução da justiça constitucional, que passa a invadir o espaço da política majoritária, feita no âmbito do Legislativo e do Executivo, impulsionada pelo voto popular. No caso brasileiro, a mudança se dá a partir da Constituição de 1988, pela qual o Judiciário se transformou em um verdadeiro poder político, capaz de fazer valer a Constituição e as leis, mesmo em confronto com os outros Poderes. Ele se relaciona ao caso julgado das uniões homoafetivas por explicitar a já citada falha do Poder Legislativo. A persistente crise de legitimidade, representatividade e funcionalidade leva a expansão do Judiciário que, em nome da Constituição, recorre a inovação da ordem jurídica. A crise de representatividade política se deve também à dificuldade em articular os novos sujeitos sociais. Não temos mais partidos políticos que expressem efetivamente a luta das minorias pela garantia de seus direitos. Assim, como meio de sobrevivência, elas se prendem ao texto constitucional, fazendo da expansão de sua forma, um meio de proteção. Pela Judicialização, o Judiciário atende demandas da sociedade completamente insatisfeitas com o parlamento.

Vale ressaltar, que a judicialização não decorre de uma opção ideológica, filosófica ou metodológica do STF, mas da provocação social em busca de sua manifestação. No contexto brasileiro, a Judicialização se apresenta como um fato, uma circunstância, que decorre do modelo constitucional que se adotou, e não um exercício deliberado de vontade política. Mesmo assim, graças a mudança do Judiciário Brasileiro, a partir dos anos 60 e 70, com a entrada de novos segmentos sociais na magistratura, as decisões tomadas por ele nos momentos em que é “obrigado” a se pronunciar apresentam cada vez menos caráter conservador e elitista. Exemplo dessa mudança é a postura do ministro relator do caso, Ayres Britto, que consegue apresentar uma interpretação não reducionista da forma constitucional quanto às relações homoafetivas, pois, para ele, deve-se manter a Constituição na posse do seu fundamental atributo da coerência, e o conceito contrário implicaria forçá-la a incorrer a um discurso indisfarçavelmente preconceituoso ou homofóbico.

Cabe ao Poder Público tanto a oferta de prestações materiais positivos, como o exercício de seus deveres de proteção direitos fundamentais de cada indivíduo. Na ADI do Estado do Rio de Janeiro, há uma clara violação dos direitos inerentes à personalidade da população que vive sob orientação sexual minoritária. Além do que, não há qualquer inconstitucionalidade ou ilegalidade no estabelecimento de uniões homoafetivas. Não existe, no direito brasileiro, vedação às essas uniões.


A união homoafetiva já é uma realidade social e nacional, havia mais de 60 mil no Brasil no momento da ADI. Equiparar essa união às estáveis entre heterossexuais, permite aos indivíduos homossexuais não só ter a vida de acordo com as normas jurídicas vigentes, como também consolida uma ordem verdadeiramente comprometida com a proteção dos direitos fundamentais. Considerando-se que o que faz a família é o amor, a comunhão e a identidade, nada distingue do ponto de vista ontológico as uniões estáveis heteroafetivas das homoafetivas. Sendo assim, não há meio legais de proibir ou impedir seu reconhecimento, e o julgamento da ADPF surge como o meio de o Judiciário impor essa realidade a nossa sociedade, sobressaindo-se, ainda, ao Legislativo. 

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