Em maio de 2011,
o STF publicou a Ação Direta de Inconstitucionalidade 4277 que trata do
reconhecimento da união homoafetiva como um instituto jurídico, através de um
julgamento conjunto entre ministros. Ela é fundamentada pela ADPF (arguição de descumprimento
de preceito fundamental) nº 132-RJ, aparelhada com pedido de medida liminar,
proposto pelo Governador do Estado do Rio de Janeiro que negou, na época, o
reconhecimento da isonomia entre casais heteroafetivos e pares homoafetivos, e
assim, pedia a transformação da ADPF em Ação Direta de Inconstitucionalidade.
Apesar da definição de união estável no art.1723 do Código Civil como casamento
entre homem e mulher, não há nenhum significado ortodoxo ou técnico-jurídico
para o termo família e, inclusive, a Constituição Federal não faz a menor
diferenciação entre a família formalmente constituída e a existente entre
cidadãos homossexuais.
Temos aí mais um
caso de Judicialização, no qual o
Poder Judiciário vem a intervir em uma questão própria do Poder Legislativo;
enquanto a Constituição não discrimina ou determina a entidade familiar, há silêncio
legislativo sobre as uniões afetivas. Esse silêncio acaba sendo uma máscara
para a reprovação sobre esse tipo de união, que ainda persiste em nossa sociedade.
O Judiciário se apresenta, nesse caso, como o instrumento de salvação dos
homossexuais, uma vez que o desprezo às uniões homoafetivas é uma afronta
direta a dignidade desses indivíduos, o que não pode ser permitido por uma Constituição
como a nossa. Trata-se de uma lesão de preceitos fundamentais como igualdade,
liberdade, dignidade da pessoa humana, segurança jurídica e vedação à
discriminação odiosa.
Luís Roberto
Barroso explica o fenômeno da Judicialização como decorrente do final da
Segunda Guerra Mundial e do avanço do neoliberalismo. Há, nesse contexto, a
evolução da justiça constitucional, que passa a invadir o espaço da política
majoritária, feita no âmbito do Legislativo e do Executivo, impulsionada pelo
voto popular. No caso brasileiro, a mudança se dá a partir da Constituição de
1988, pela qual o Judiciário se transformou em um verdadeiro poder político,
capaz de fazer valer a Constituição e as leis, mesmo em confronto com os outros
Poderes. Ele se relaciona ao caso julgado das uniões homoafetivas por
explicitar a já citada falha do Poder Legislativo. A persistente crise de
legitimidade, representatividade e funcionalidade leva a expansão do Judiciário
que, em nome da Constituição, recorre a inovação da ordem jurídica. A crise de representatividade
política se deve também à dificuldade em articular os novos sujeitos sociais. Não
temos mais partidos políticos que expressem efetivamente a luta das minorias
pela garantia de seus direitos. Assim, como meio de sobrevivência, elas se
prendem ao texto constitucional, fazendo da expansão de sua forma, um meio de
proteção. Pela Judicialização, o Judiciário atende demandas da sociedade completamente
insatisfeitas com o parlamento.
Vale ressaltar, que
a judicialização não decorre de uma opção ideológica, filosófica ou
metodológica do STF, mas da provocação social em busca de sua manifestação. No contexto
brasileiro, a Judicialização se apresenta como um fato, uma circunstância, que
decorre do modelo constitucional que se adotou, e não um exercício deliberado
de vontade política. Mesmo assim, graças a mudança do Judiciário Brasileiro, a
partir dos anos 60 e 70, com a entrada de novos segmentos sociais na
magistratura, as decisões tomadas por ele nos momentos em que é “obrigado” a se
pronunciar apresentam cada vez menos caráter conservador e elitista. Exemplo
dessa mudança é a postura do ministro relator do caso, Ayres Britto, que
consegue apresentar uma interpretação não reducionista da forma constitucional
quanto às relações homoafetivas, pois, para ele, deve-se manter a Constituição
na posse do seu fundamental atributo da coerência, e o conceito contrário
implicaria forçá-la a incorrer a um discurso indisfarçavelmente preconceituoso
ou homofóbico.
Cabe ao Poder
Público tanto a oferta de prestações materiais positivos, como o exercício de
seus deveres de proteção direitos fundamentais de cada indivíduo. Na ADI do Estado
do Rio de Janeiro, há uma clara violação dos direitos inerentes à personalidade
da população que vive sob orientação sexual minoritária. Além do que, não há
qualquer inconstitucionalidade ou ilegalidade no estabelecimento de uniões
homoafetivas. Não existe, no direito brasileiro, vedação às essas uniões.
A união
homoafetiva já é uma realidade social e nacional, havia mais de 60 mil no
Brasil no momento da ADI. Equiparar essa união às estáveis entre
heterossexuais, permite aos indivíduos homossexuais não só ter a vida de acordo
com as normas jurídicas vigentes, como também consolida uma ordem verdadeiramente
comprometida com a proteção dos direitos fundamentais. Considerando-se que o
que faz a família é o amor, a comunhão e a identidade, nada distingue do ponto
de vista ontológico as uniões estáveis heteroafetivas das homoafetivas. Sendo assim,
não há meio legais de proibir ou impedir seu reconhecimento, e o julgamento da
ADPF surge como o meio de o Judiciário impor essa realidade a nossa sociedade,
sobressaindo-se, ainda, ao Legislativo.
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